O estilista leva a cultura Charro para a sua marca homônima e atualiza a estética latino-americana na cena criativa dos EUA Com a frase “Golfo do México” estampada na camiseta, Patricio Campillo encerrou o seu desfile na semana de moda de Nova York, neste mês. Ao evidenciar o território do seu país, o estilista não só teve um ato patriótico como político, já que a região tem sido alvo do presidente dos EUA Donald Trump, que afirmou que mudaria o nome para “Golfo da América”.
O orgulho latino acompanha o designer à sua maneira, leia-se: forte influência da cultura charro, movimento construído por vaqueiros mexicanos no século XIX, arte contemporânea mexicana e memórias afetivas da infância. Na coleção recém-lançada, ele mescla esses pilares com o realismo mágico para atualizar uma alfaiataria charro, em que códigos atrelados à masculinidade ganham um sopro sensual, moderno e poético.
“Acredito que a natureza tem um papel enorme em ambos os países, assim como o orgulho que tanto brasileiros quanto mexicanos sentem de suas raízes. Esse orgulho é um impulso criativo, pois nos faz buscar referências culturais, históricas e artísticas para reinventá-las de forma autêntica, sem cair em clichês. É isso que mantém o diálogo vivo entre tradição e inovação”, conta o estilista, no backstage do desfile, para a colaboradora de moda Cacá Portela.
A seguir, Patricio desenvolve mais camadas da sua nova coleção e fala sobre a realidade de ser um criativo latino-americano no circuito de moda estadunidense.
Conheça Patricio Campillo, designer latino-americano finalista do prêmio LVMH em 2024
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Cacá: Patricio, você acabou de apresentar sua coleção e está tudo incrível. Como está se sentindo neste momento? Como ficam as emoções no dia do desfile?
Patricio: Para mim, no dia do desfile, é crucial ter certeza de que tudo o que estou fazendo, ou tudo o que tenho diante de mim, está perfeito. E eu estou realmente feliz com o resultado. Havia apenas alguns detalhes menores para finalizar, então tentei manter minha energia lá em cima e estar pronto para apresentar. Quando a luz acende, acontece uma certa mágica. É algo que você descobre na hora—ninguém sabe exatamente de onde vem, mas é uma sensação maravilhosa.
Sua mais nova coleção “Fictions of Reality” traz influências de realismo mágico, arquitetura modernista mexicana e minimalismo pré-hispânico. De que forma tudo isso se conecta à cultura Charro, que é tão forte na sua marca?
A cultura Charro é o ponto de partida do diálogo da marca. Esse princípio vem de um traje Charro que meu avô deu ao meu pai quando ele completou 18 anos, e que depois herdei. Não só a modelagem técnica e a alfaiataria influenciam minha forma de criar, mas também a maneira como interpreto a masculinidade daquele tempo e de hoje, e o que significa ser Charro culturalmente.
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Quanto à arquitetura modernista no México, sempre existiu esse equilíbrio entre o minimalismo brutalista e o caos orgânico—como as rochas vulcânicas no bairro Pedregal. Gosto de mesclar linhas retas e limpas com texturas caóticas, criando uma tensão visual. Já o realismo mágico, que vejo como a versão latino-americana do surrealismo, também foi fundamental. Cresci lendo autores desse movimento, que me transportavam para universos fantásticos. Essa sensação de pisar em outra realidade aparece nas roupas.
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Você comentou sobre a presença de novos elementos e técnicas mais elaboradas na coleção. Como isso influenciou as escolhas de beleza—maquiagem e cabelo—para o desfile?
Investi bastante tempo em pesquisa, buscando novos caminhos em termos de textura, volume e estrutura. Então, na parte de cabelo e maquiagem, eu quis algo que conversasse com as peças sem cair na caricatura. Buscamos um visual mais “sleek” que remetesse à crina de cavalo—um aceno à cultura Charro—mas que ainda fosse minimalista o bastante para não competir com as roupas. A ideia era manter a sofisticação, respeitando a individualidade de cada peça.
Vemos como, tanto no Brasil quanto no México, a herança cultural está presente de forma muito forte no trabalho dos estilistas. E muitas vezes isso gera o desafio de fugir de estereótipos. Como você enxerga esses paralelos?
Acredito que a natureza tem um papel enorme em ambos os países, assim como o orgulho que tanto brasileiros quanto mexicanos sentem de suas raízes. Esse orgulho é um impulso criativo, pois nos faz buscar referências culturais, históricas e artísticas para reinventá-las de forma autêntica, sem cair em clichês. É isso que mantém o diálogo vivo entre tradição e inovação.
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Algo que chama a atenção no seu trabalho são detalhes como os botões de flores de café, diretamente ligados à sua infância. Você pode falar um pouco mais sobre esse processo criativo de unir elementos cotidianos e a proposta surreal?
Procurei revisitar memórias, quase como num processo de associação livre. As flores de café são um exemplo disso—elas vêm da minha vivência perto de uma plantação de café na infância. Trazer esse elemento para as roupas reflete justamente a essência do realismo mágico: pegar algo ordinário e dar a ele um valor extraordinário. É também uma forma de celebrar a cultura latino-americana, onde o místico e o cotidiano se misturam sem esforço.
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Fonte: Glamour