A polêmica dos dupes de beleza: amá-los ou odiá-los diante de um mercado tão aquecido?


Inspirados em produtos de sucesso, os dupes invadiram as prateleiras nos últimos anos por oferecerem efeitos parecidos a um preço mais baixo, mas será que esse mercado é sustentável? Nós investigamos Não é incomum cruzar com o termo “dupe” ao rolar o feed das redes sociais. Essa categoria de produto cresceu e ganhou popularidade por oferecer uma alternativa acessível a produtos de alto valor, sobretudo nas indústrias da moda e da beleza. Os exemplares se inspiram em referências do mercado, especialmente de luxo, para criar versões com textura e efeitos semelhantes. Outro ponto importante é que eles não têm a intenção de causar confusão entre os consumidores – ou seja, não são uma versão falsificada –, mas de se posicionar como uma alternativa acessível. Uma cópia, por outro lado, reproduz praticamente 100% o original, inclusive logomarcas e códigos tipográficos. Um ponto de atenção é que essas diferenças podem ser muito sutis e interpretativas em alguns casos.
O termo vem de uma abreviação da palavra “duplicate”, e pode até ter o significado de “enganar”, em português, mas, ao contrário, esse movimento não se trata de falsificação – e, quem compra, dificilmente o faz por engano. Para se ter uma ideia do tamanho deste mercado, a fatia acumula mais de 400 milhões de menções apenas no TikTok. De acordo com dados da Circana, empresa global de data tech para análise do comportamento de consumo, mais de 68% da população brasileira consome dupes, sendo 40% no segmento de beleza. Embora não seja exatamente uma novidade, por que passamos a comprar tanto as opções baratinhas dos nossos produtos favoritos? Alguns fatores influenciam o boom recente.
Antes de falar sobre o cenário atual, é preciso entender como os produtos são criados. “Existem alguns caminhos que podem nos levar a um desenvolvimento. O primeiro é a partir das necessidades dos clientes daquela marca. Às vezes, um produto nem estava sendo considerado no pipeline, mas por meio das redes sociais e do social listening a empresa identifica o que os chamados ‘brand lovers’, o público-alvo, estão pedindo. Então, esse desejo é considerado e atendido”, explica Carla Ramalho Panicio, fundadora da Notracorp, consultoria de negócios para marcas de beleza.
“Também existe uma pesquisa de comportamento do consumidor, geralmente monitorada por grandes agências onde são analisados fatores econômicos, ambientais, políticos e sociais de um determinado grupo e seus hábitos de consumo. A partir desse resultado, é determinado o que deve ser lançado para atender a essas demandas”, completa a especialista.
Aqui no Brasil, as mulheres dedicam cerca de dez minutos diários para seus rituais de beleza, portanto, de modo geral, as marcas precisam pensar em produtos que possam fazer parte desta rotina e ficar. Praticidade é importante. Essa análise de comportamento justifica o alto número de lançamentos em bastão ou com textura cremosa, por exemplo. Assim que se entende as preferências do público que a marca gostaria de atingir, consequentemente, são alocados esforços para suprir essas demandas. Dentro das companhias, a equipe de marketing é responsável por, então, estabelecer quais serão as categorias, texturas, benefícios, cores e embalagens a serem produzidas de acordo com o perfil da marca e de seus consumidores.
É um processo longo, que exige muitos testes e pode levar alguns bons meses, caso não haja intercorrências. As marcas que investem em dupes, entretanto, por serem seguidoras de tendências e não geradoras de tendências, acabam pulando algumas etapas e conseguem acelerar o cronograma, captando uma audiência que busca por imediatismo e não necessariamente algo inédito.
Com um mercado tão aquecido, tem se tornado cada vez mais fácil reproduzir em laboratório as fórmulas heros ou até comprá- las prontas e conseguir formatos de embalagens que já fazem sucesso por meio de fábricas terceirizadas (pense na varinha Beauty Light Wand, da Charlotte Tilbury). O contato direto com o público na internet torna o cenário de criação ainda mais fértil, já que é possível entender as predileções da comunidade diretamente nas redes sociais, mas outros fatores contribuem para a invasão em massa dos dupes nas prateleiras.
De acordo com Ana Seccato, thought leader da Circana para a América Latina, a procura por produtos inspirados em cases de sucesso de grandes marcas e com preços mais baixos responde à tendência chamada de “underconsumption core”, que contrapõe o boom do high-luxury do pós-pandemia.
“A indústria de luxo, sobretudo a categoria de cosméticos, teve uma venda muito acelerada durante o isolamento. Agora, a gente vê os consumidores cansados desse movimento. Se ele gastou R$1.200 em um perfume, agora ele quer um contratipo por menos da metade do preço, e isso se tornou motivo de orgulho, principalmente para a geração Z”, explica a executiva. Ou seja, se é possível economizar e ainda assim ter produtos de qualidade na prateleira, os consumidores mais jovens vão optar pelas duplicatas.
Outro fator que contribui para o sucesso dos dupes é que o ciclo das tendências tem um tempo de vida muito menor atualmente. “Antes, as marcas conseguiam desenvolver seus produtos com calma para atender a essas necessidades, mas hoje as tendências surgem e morrem muito rapidamente, graças às redes sociais. Para o consumidor, é financeiramente inviável comprar um produto novo toda vez que uma trend bomba, mas com os dupes isso é possível. Em vez de comprar um gloss de R$230, ele pode encontrar um parecido por R$19”, detalha Ana.
Os millennials e a gen Z são mais propensos a comprar dupes, enquanto os boomers são a geração com maior rejeição a essa tendência. “Os consumidores mais velhos são mais desconfiados, então dá para entender um pouco sobre como a internet é tão influente neste cenário, porque as trends conversam justamente com os mais jovens”, conclui Ana.
QUESTÃO LEGAL
Recentemente, a empresária Charlotte Tilbury, dona da marca de maquiagem homônima, lançou uma campanha chamada “Legendary. For A Reason” (“Lendária. Por um motivo”, em português), cujo objetivo é incentivar os consumidores a comprarem de marcas que estão desenvolvendo algo realmente novo no mercado. “Eu sou uma inovadora, não uma imitadora. Quando você engana, engana o consumidor. Isso me incomoda muito como perfeccionista, como inovadora, como criadora, como artista”, disse a britânica, em entrevista ao Business of Fashion.
A marca de Charlotte é uma das mais reproduzidas do mercado de beleza, e a declaração vem após gigantes como a e.l.f Cosmetics lançarem suas versões dos icônicos Flawless Filter e Hollywood Contour Wand, inspirados não só nas fórmulas, como também nas embalagens de Charlotte. Enquanto o blush líquido da marca original custa US$ 42, o “primo baratinho” da e.l.f sai por US$ 9, ambos no mercado internacional. Embora não seja uma cópia propriamente dita, a marca surfa na onda da gigante de maquiagem ao lançar itens muito parecidos. O mesmo aconteceu com o blush jelly da Milk, que já conta com versões gringas e nacionais. E como ficam as questões legais no mercado de dupes?
Assim como outras áreas, a indústria da beleza está envolvida em legislações específicas, incluindo a da propriedade industrial, que visa a proteger marcas, patentes e desenhos industriais, explica Denise Fabretti, advogada e professora do curso de publicidade e propaganda da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Os produtos de beleza com fórmulas inéditas, por exemplo, são considerados “atividade inventiva” e registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), impedindo que outras concorrentes utilizem o mesmo conjunto de ingredientes com o mesmo objetivo. O mesmo pode ser feito com embalagens originais, que ganham a proteção do design e podem até ser registrados como “obras artísticas” para ganharem as mesmas defesas dos direitos autorais.
“Se a marca faz um produto muito parecido com algo que já exista no mercado, o consumidor pode se confundir na hora de comprar. Consideramos essa prática comercial como uma concorrência desleal ou concorrência parasitária, já que a reprodução está se aproveitando dos códigos da fabricante conhecida no mercado para atrair o público erroneamente”, detalha a professora. O fabricante original pode pedir para suspender a produção e retirar do mercado o produto concorrente, além de entrar com outras medidas legais. A advogada vê o mercado dos dupes com bons olhos, acreditando na democratização do acesso a produtos de beleza e às tendências por meio de inspirações, mas reforça a importância de não se apropriar totalmente das criações das marcas originais. Afinal, ainda existe espaço para originalidade?
Carla Ramalho acredita que, sim, ainda vale a pena ser autêntico. “Se a marca tem um manual bem construído, com público-alvo definido, ela não precisa seguir tendências, porque ela já tem um branding próprio e um compromisso com seus consumidores.”
Se por um lado Ana Seccato aconselha marcas a procurarem um novo target de audiência, como os consumidores mais velhos que estão dispostos a pagar altos valores por produtos de beleza, por outro, Carla estimula os mais jovens a pensarem com mais consciência nas próprias lógicas de consumo. Será que você realmente precisa de um novo blush para entrar na trend da berry makeup? Qual valor este produto vai agregar no seu nécessaire? Seja dupe ou não, a avaliação da nossa relação com as compras nunca sai de moda.

Fonte: Glamour

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