por que a inteligência artificial é pior para as mulheres?

“Passando aqui para um papo sério. Nesses últimos dais, recebi esse vídeo aqui, de diversas pessoas que eu conheço, como se fosse eu, e perguntando, se de fato, era eu. Por mais que pareça, galera, aliás, tá muito convincente, não sou eu. É inteligência artificial. Essa não é a primeira vez que isso acontece comigo, já aconteceram diversas outras vezes. Não sou a primeira, nem a última que vai passar por isso, infelizmente”, disse, em vídeo. Assista a íntegra:

Hoje, a tecnologia é pensada e criada majoritariamente por um perfil muito específico: homens, brancos, héteros e cis. O primeiro problema está aí. “Esse universo masculino heteronormativo faz com que os algoritmos sejam propostos a partir de um único perfil, um tipo de experiência”, afirma Olívia Merquior, especialista em cultura e tecnologia, sócia da gestora Iara e idealizadora da BRIFW. Assim, grandes corporações de tecnologia não possuem o viés feminino em sua essência.

E se as mulheres são as mais afetadas por adulteração de imagens, no “mundo real” elas também são as maiores vítimas por disseminação de imagens íntimas sem autorização. “Por conta de todas as moralidades envolvendo a nudez, a sexualidade e as noções de pudor e castidade que ainda operam sobre as mulheres, é muito mais frequente a disseminação das imagens de mulheres”, acrescenta Mariana Valente, professora de direito na Universidade de St. Gallen, na Suíça, diretora do Internetlab e autora do livro Misoginia na Internet (2023, Ed. Fósforo).

Temos algo em comum entre tudo isso: o alvo.”Será que se o mesmo tivesse sido feito por meninas com corpos masculinos, eles teriam a mesma vergonha que elas tiveram? Será que se fosse um vídeo deep fake com um ator masculino, seria tão vexatório? Existe um lugar em que se coloca a mulher como um alvo de moral e de vergonha, e que tem a ver com a questão de gênero”, reflete Olívia. “A própria realização do ato, que é uma violência de gênero, tem a ver também em como se estruturam esses tipos de violência sexual na sociedade”, concorda Mariana.

“Precisamos implementar a lei, sim, mas já trazer outros problemas de disseminação dessas informações. Atualmente, as ferramentas de tecnologia, principalmente de inteligência artificial, estão democratizadas e à mão de quem queira ter acesso, mas pouco se tem consciência sobre ela – do que pode ser feito e de quem pode ser responsabilizado”, diz Olívia. Daí, a necessidade de uma discussão ampla para entender o impacto dela na nossa sociedade.

Uma das maiores preocupações, nesse caso, é que não há como se precaver dessa violência. “Isso mostra uma faceta muito perversa do uso da tecnologia para a perpetuação dessas hierarquias de gênero que existem na sociedade e da misoginia”, afirma Mariana. Entretanto, adulterar imagens já está previsto como crime no Código Penal. No artigo 216-B, da Lei no 13.772, de 2018, está prevista detenção de 6 meses a 1 ano, e multa para quem “realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo”.

“Para mim, a tecnologia não pode ser pensada como binária, como algo do bem ou do mal. Bill Buxton, criador da tela touch, diz que toda entrada de uma nova tecnologia na sociedade cria impactos positivos e negativos. A gente só consegue entender o poder de uma tecnologia depois que ela é treinada em grande massa. O que podemos fazer, então, é vigiar se ela está criando mais problemas do que soluções”, ressalta Olívia. A solução nesse momento é a conscientização. É falar sobre a IA para que todos entendam como ela está sendo difundida e, principalmente, como ela é gerada estruturalmente.

A denúncia deve ser feita através de um boletim de ocorrência físico em delegacias de crimes cibernéticos, que costumam ter maior capacidade de investigação. Caso o crime tenha sido cometido por um parceiro (antigo ou atual), é possível registrar um BO de forma online por caracterizar violência doméstica. “Quando falamos de crimes de misoginia na internet, a Polícia Federal também tem atribuição de investigar, por conta da Lei 13.642/18, conhecida como Lola, sancionada em 2018”, ressalta a advogada.

Fonte: Glamour

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