Com fuga de investidores estrangeiros, EUA ficam na lanterna do crédito | Finanças

O mercado de crédito é a mais recente vítima da guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos. A dívida corporativa norte-americana está se ficando para trás da de outros países, e corre o risco de cair ainda mais conforme a economia balança e os juros continuam altos.

Analistas de risco comemoraram o resultado das eleições em novembro como positivo, com a eleição de um presidente visto como pró-crescimento e pró-empresas. Mas desde a posse em janeiro, o crédito americano enfraqueceu, e o do resto do mundo cresceu.

Isso aconteceu por causa das feridas auto-infligidas à economia com o frenesi de Trump pelas tarifas, que provavelmente vai estancar o crescimento e gerar inflação. A fuga dos investidores estrangeiros para os mercados de crédito mais estáveis e de valor relativo acrescenta mais pressão ao cenário.

A escala do mercado dos EUA é indiscutível, e a tempestade comercial pode se amainar. Mas, em comparação com outros mercados, há mais ajustes de preço a serem feitos, na medida em que o governo do país choca os investidores com sua reconfiguração da ordem global.

O governo Trump piorou a situação com o ataque à independência do Federal Reserve. Mesmo que o presidente Donald Trump tenha dito que não tem planos de demitir o chairman do Fed, Jerome Powell, a questão expôs a fragilidade da noção de ativos “livres de risco” no contexto dos títulos norte-americanos.

Os credit default swaps implicam riscos muito maiores de inadimplência pelo governo dos EUA do que da Alemanha ou do Reino Unido. Investidores corporativos terão que recalibrar sua expectativa de pagamento por uma empresa norte-americana.

Conforme a turbulência aumenta, grandes empresas com alto fluxo monetário poderiam ser vistas, pelos mercados, como apostas mais seguras para investimento em dívida do que o governo, como acontece em mercados emergentes. Mas à medida em que os investidores começam a precificar o risco político dos EUA, eles terão que reavaliar de que forma serão compensados por novas ameaças ao longo da cadeia de crédito corporativo.

A montanha-russa de abril pode ser um tombo suficiente para fazer alguns compradores abandonarem de vez o crédito nos EUA, ou, ao menos, não aumentar sua exposição. Em lugares como o Japão, onde há cada vez mais opções “sem risco” locais, essa não é uma decisão tão difícil.

Investidores têm falado há tempos sobre ver mais retorno na Europa, mas costuma ser necessário uma crise para levá-los à ação. Os juros do crédito podre da região têm convergido com os dos EUA nos últimos meses, após anos sendo negociados em taxas mais altas.

O crédito europeu recebeu um incentivo na forma de estímulo do banco central e do potencial de investimento governamental significativo. Parte do dinheiro que sai do mercado de dívida corporativo dos EUA pode acabar financiando o urgente orçamento de defesa da União Europeia.

Gerentes de portfolios globais têm ficado tão desnorteados pelas mudanças correntes nos Estados Unidos que estão começando a considerar até mesmo crédito chinês — o que era considerado impensável apenas alguns meses atrás. O governo também está liberando estímulos por lá, e companhias de tecnologia estão atraindo o interesse de investidores de dívida.

A demanda global por títulos de dívida de origem norte-americana caiu de US$ 30,8 bilhões em janeiro para US$ 10,4 bilhões em fevereiro, segundo o Citi Research. O patamar é muito inferior aos US$ 76,4 bilhões de entradas em fevereiro de 2024, diz o Citi, que espera que a tendência se mantenha.

Ainda assim, o impacto imediato no mercado de crédito empresarial dos EUA tem sido limitado. Contas domésticas provavelmente estão mais que satisfeitas de comprar crédito de qualidade com yields historicamente altos, enquanto as reservas de novas ofertas têm sido amplas e a concessão de novas emissões, baixas.

No longo prazo, no entanto, a debandada de dólares do mercado de dívida norte-americano deve aumentar os spreads. Compradores estrangeiros estão cada vez mais cautelosos, uma vez que o risco de estagflação não para de crescer e os ganhos estão encolhendo, criando uma perspectiva perigosa para as empresas norte-americanas, especialmente aquelas com endividamento alto.

Obviamente, há limites para a debandada dos ativos dos Estados Unidos, em larga medida devido à imensa pilha de dinheiro doméstico sequestrado que naturalmente tenderá a permanecer em casa. E mesmo que a segunda opção, a Europa, pareça barata, a multiplicidade de jurisdições, linguagens e sistemas legais acrescentam uma camada de complexidade que pode deter alguns novatos.

O crédito americano está em baixa, mas não fora de jogo, e o movimento da Casa Branca para conter os danos em relação às tarifas contra a China — além do fim dos ataques de Trump a Powell — ajudou a sustentar uma onda de otimismo. Oficiais do governo têm convencido o mercado a aguentar um pouco de sofrimento no curto prazo com a promessa de ganhos a longo prazo, e é possível que venhamos a perceber o mês de abril apenas como uma boa oportunidade para compradores na baixa.

Mas não se pode colocar a pasta de dente de volta no tubo — a confiança no mercado da dívida dos EUA foi abalada — e os compradores globais não acreditam que Trump não vá mais mudar de ideia. Observe os mercados de dívida corporativa americanos se reajustarem mais amplamente e ficarem ainda mais atrás de outras regiões à medida que a grande rotação de ativos para fora dos EUA ganha ritmo.

Confiança dos investidores na estabilidade do mercado dos EUA foi abalada — Foto: Pixabay
Confiança dos investidores na estabilidade do mercado dos EUA foi abalada — Foto: Pixabay

Fonte: Valor

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