Em um Primeiro de Maio marcado pela ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas celebrações, a análise de sociólogos, economistas e advogados ouvidos pelo Valor é de que o movimento sindical perde cada vez mais representatividade. A perda de espaço não acontece somente no Brasil porque é afetada por uma tendência global de fragmentação do trabalho, sob influência de plataformas digitais, avanço do setor de serviços, da informalidade e de alterações das relações trabalhistas. Há componentes domésticos importantes, porém, apontam os especialistas, como questões previdenciárias e as alterações da reforma trabalhista de 2017, que possibilitou a terceirização da atividade-fim e eliminou a obrigatoriedade do chamado imposto sindical.
A representatividade medida pela sindicalização tem caído no mundo todo, diz Adriana Marcolino, diretora técnica do Departamento Intersindical Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Isso tem acontecido, diz, num contexto de mudanças no trabalho. “Há ampliação da informalidade, de contratos precários e da terceirização, que contribui também para uma redução do tamanho médio das empresas. Não temos mais empresas com 20 mil, 30 mil trabalhadores.”
O processo de fragmentação, diz, juntamente com a alta rotatividade no Brasil, dificulta manter a sindicalização. “E temos também práticas antissindicais ainda presentes no mundo do trabalho e que não favorecem a sindicalização.”
Pelo padrão internacional, explica Marcolino, os dados de sindicalização consideram todos os ocupados. Mas no Brasil, observa, os empregados com carteira de trabalho assinada são cerca de 60% dos ocupados. Ela ressalta que é uma taxa muito maior do que a da Europa, por exemplo, o que já é um desafio para a representatividade sindical.
Quando se considera os sindicatos com trabalhadores assalariados, 77% fecham negociação coletiva, diz. Para Marcolino, o índice mostra que a atuação é importante, mas quando se olha o total de ocupados, o número é menor porque há o trabalhador avulso, informal, o servidor público, que não tem direito a essa negociação. De qualquer forma, diz ela, o movimento sindical tem o desafio de encontrar formas de representar toda a classe que hoje vive do trabalho, o que inclui os informais e os formais em diferentes tipos de contrato. À frente, diz ela, novos desafios estão surgindo, como a inovação tecnológica, com uso da Inteligência Artificial (IA) e a transição climática, temas que entram cada vez mais na negociação coletiva e no debate sindical.
Os sindicatos já atraíram muito mais gente e foram organizações com maior protagonismo e capacidade de mobilização, diz Olívia Pasqualeto, professora de Direito do Trabalho da Fundação Getulio Vargas (FGV).
A perda de espaço, avalia, deve-se a fatores dos mais diversos. Muitos se decepcionaram com a atuação do sindicato, porque nem todas as organizações são fortes e combativas. “Hoje muitas pessoas já não são mais empregadas. Há a discussão da pejotização, os trabalhos em plataforma digital. Nem todo mundo está debaixo da representatividade do sindicato. E existem também hoje vários coletivos, vários movimentos que representam outras pautas, como de gênero e de raça, por exemplo. Não necessariamente esses temas estão sendo contemplados pelos sindicatos e há outras figuras que estão nesse jogo.”
Para a diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp), Andréia Galvão, a disseminação do discurso do empreendedorismo, que manifesta a ideia de que o Estado atrapalha a livre iniciativa, e de que as pessoas só precisam contar com seu esforço e mérito individual, também afeta a sindicalização. Isso, diz, dificulta a organização e a ação coletiva em defesa de direitos trabalhistas.
Galvão diz ainda que o cenário político atual também interfere no sindicalismo. “O crescimento da extrema direita também é um fator que afasta os trabalhadores dos sindicatos, já que eles geralmente são ligados a valores identificados com a esquerda.”
A reforma trabalhista de 2017, sob a gestão do ex-presidente Michel Temer, lembra Pasqualeto, incorporou algumas das transformações que eram praxe de mercado, ao validar a terceirização da atividade fim, diz Pasqualeto. Ao mesmo tempo a reforma também provocou mudanças, ao criar a figura do trabalhador intermitente, ao flexibilizar o contrato de trabalho e ao eliminar a obrigatoriedade da contribuição sindical.
Para o coordenador do Núcleo de Direito do Trabalho do Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), Paulo Sérgio João, a eliminação da obrigatoriedade da contribuição sindical foi a demonstração “mais clara” da fragilidade da organização sindical brasileira, pois as instituições “não se aguentaram”, e começaram a se incorporar.
“Essa incorporação é a prova mais clara de que o nosso sindicalismo de categoria é frágil, porque não se sustenta sem uma contribuição sindical obrigatória”, diz. “Não sou contra a contribuição sindical, mas acho que todas as organizações devem ter, obviamente, uma fonte de custeio, que poderia ser feita pelo Estado em um regime de pluralidade, não em unicidade. Como existe atualmente com o fundo partidário”
Como sintoma desse enfraquecimento dos sindicatos, segundo o professor, está a ausência do presidente Lula nas comemorações sindicais de primeiro de maio. O sindicalismo é o berço político do petista, que se tornou figura pública como líder do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, na década de 1980. “Que esse primeiro de maio seja um momento de reflexão sobre o status quo do sindicalismo brasileiro. Precisamos analisar se essas organizações são necessárias para a sobrevivência dos trabalhadores, ou se necessitamos buscar alternativas de reconhecimento do coletivo.”
Para Pasqualeto, da FGV, “é uma pena” a decisão de Lula de não participar das comemorações presenciais de Primeiro de Maio. “Podem ter vários motivos para essa opção, mas fica uma sensação de falta de conexão com o próprio histórico, sobretudo num momento que o mundo do trabalho, de maneira geral, sofrendo muitas transformações.”
Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), diz que o maior desafio do sindicalismo é justamente se adequar ao novo mundo, com participação cada vez maior de trabalhadores à distância, do trabalho híbrido, de prestação de serviços por plataformas digitais.
“As novas relações de trabalho são um desafio porque não são mais guiadas pelo emprego.” Houve, diz Barbosa Filho, claramente, a tentativa do governo de regulamentar as plataformas, de dar proteção social aos trabalhadores. Mas isso, avalia, foi rejeitado porque os trabalhadores não querem ser empregados. “É um novo mundo. Há um cara que não quer ser empregado. Contra quem ou com quem o sindicato vai travar negociações e o que eu vou ter que oferecer?”
Para Barbosa Filho, a pergunta é se os sindicatos têm a percepção de que não é possível transformar o trabalhador de plataforma em empregado. Outra questão, diz, é se será preciso mudar o sistema de seguridade social para incluir esses trabalhadores. Isso, diz, pode envolver a mudança de pensamento dos sindicatos.
Fonte: Valor