Por que o Alentejo é o destino da vez?


Do interior à costa paradisíaca, o sul de Portugal, que conquistou príncipe Harry, Fernanda Torres, Madonna e outras celebs, é um verdadeiro mosaico de experiências e entrega algo raro no turismo de hoje: tranquilidade e privacidade Existe algo no ar do Alentejo que faz o tempo desacelerar. Talvez seja o perfume do alecrim que se espalha pelos campos dourados, as oliveiras retorcidas pelo vento ou o silêncio absoluto que reina entre uma aldeia e outra. Foi exatamente essa sensação que vivi em uma road trip inesquecível pela região sul de Portugal, entre o rio Tejo e o Algarve. É fácil entender por que o Alentejo conquistou figuras como o príncipe Harry, que comprou uma mansão em Melides, e Madonna, que encontrou na Comporta um refúgio temporário. Recentemente, Fernanda Torres também se rendeu ao charme da região, passando férias entre o azul do céu e o verde dos vinhedos em Beja. No Alentejo, a vida acontece sem pressa, com espaço de sobra para respirar e, acima de tudo, sentir.
Enquanto grandes destinos europeus enfrentam o turismo de massa, o Alentejo segue na contramão. Dirigir pelas estradas quase vazias, cercadas por campos de sobreiros e vilarejos adormecidos, foi como atravessar outra era. Cada parada era um convite à contemplação, um antídoto perfeito para a correria do dia a dia. Entre herdades, pousadas e até um castelo onde me hospedei, encontrei um turismo que valoriza o “aqui e agora”, a natureza e a paz interior. É o cenário ideal para quem busca bem-estar, a prática do slow travel e momentos de reconexão.
Do interior à costa, a região é um mosaico de experiências. Em poucos dias, caminhei por muralhas medievais em Marvão, me encantei pelos bonecos de barro típicos de Estremoz, mergulhei em praias quase desertas da Comporta e me perdi nas ruelas de Évora, onde cada pedra parece guardar uma história. Também não faltaram provas de azeites fresquíssimos e degustações de vinhos — muitos vinhos.

A vila amuralhada e a rota do contrabando
Minha jornada começou em Marvão, no distrito de Portalegre, quase na divisa com a Espanha. A vila fica a três horas de Lisboa. Subir até essa cidade amuralhada é como entrar em um mundo paralelo. Do alto do Castelo de Marvão, fortaleza erguida no século XIII, percebi o que o autor José Saramago quis dizer ao escrever no livro “Viagem a Portugal”: “De Marvão vê-se a terra toda.” De fato, é difícil não se emocionar com a vista sem fim — campos, vales profundos e a vastidão da fronteira que se perde no horizonte.
Marvão
Divulgação
Pelas ruas estreitas da vila, entre casinhas brancas e janelas floridas, me deixei levar sem pressa. Passei pela Igreja de Santa Maria, hoje transformada no Museu Municipal de Marvão, pela Câmara Velha — antiga cadeia da cidade — e conheci a única mercearia do vilarejo. Entre os produtos típicos, encontrei gin de castanha, rebuçados de ovo, peças de cerâmica e sabonetes feitos com leite de burra. Impossível sair de lá de mãos vazias.
Uma subida até o Castelo de Marvão
Renata Telles
E quando a fome bateu, encontrei refúgio no restaurante Mil-Homens, aberto desde 1967. O garçom, com um sorriso acolhedor, resumiu a atmosfera ao me dizer: “Não somos um restaurante, somos uma casa de família.” Ali, entre conversas animadas e o cheirinho delicioso vindo da cozinha, experimentei a tradicional sopa de tomate alentejana, com ovos escalfados.
Pão alentejano com sopa de tomate e ovo escalfado do Restaurante Mil-Homens
Renata Telles
Segui estrada adentro até Galegos, a apenas 15 minutos de carro de Marvão. Foi lá que degustei o azeite Castelo de Marvão, dentro de uma antiga fábrica que carrega décadas de história. Antonio Melara Nunes, o atual dono, criou a marca com a missão de resgatar as raízes da aldeia e trazer vida de volta a esse pedacinho quase escondido do Alentejo (hoje são apenas 15 moradores). Enquanto provava o azeite orgânico, percebi como o turismo, feito com sensibilidade e respeito, pode reanimar lugares adormecidos.
Degustação de azeite em uma antiga fábrica na aldeia de Galegos
Renata Telles
Bem ali do ladinho do local, encontro uma trilha sinalizada pela placa: Rota do Contrabando do Café. Ao longo de seis quilômetros, o turista pode percorrer o caminho que os contrabandistas faziam na época da ditadura do Estado Novo (1933 a 1974). A rota começa na aldeia de Galegos e vai até o povoado espanhol La Fontañera. Era ali que acontecia a venda e troca de mercadoria. O passeio era tentador, mas precisava continuar a viagem…
A cidade branca
Deixei Marvão para trás e segui até Estremoz, conhecida como a “Cidade Branca” do Alentejo. De longe, já era possível ver casinhas brancas espalhadas pela colina, abraçadas pelas muralhas antigas e vigiadas pela torre do castelo. O apelido não é à toa. Além das casas claras, o que dá fama ao lugar é o famoso mármore de Estremoz. Portugal o segundo maior exportador do planeta — e a região é responsável por quase 90% de toda a produção.
Estremoz
Renata Telles
A vila é terra de tradições: dos famosos bonecos de barro — declarados Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO — às ruas serenas onde o artesanato e o passado se misturam a cada esquina. Me perdi entre lojinhas, ateliês e a charmosa Feira das Velharias, que toma conta da praça central todos os sábados. Barracas coloridas oferecem de tudo um pouco, de peças raras de porcelana, móveis e livros à frutas, queijos e temperos. Um verdadeiro paraíso para quem gosta de garimpar tesouros.
Feira das Velharias em Estremoz
Renata Telles
Entre uma descoberta e outra, uma pausa saborosa no Gadanha Mercearia, liderado pela chef brasileira Michele Marques, foi a escolha perfeita. O restaurante faz parte do guia Michelin e oferece um cardápio alentejano com toques criativos (tem até sobremesa inspirada nos doces do chef hypado Cédric Grolet).
Parece maçã, mas é um bombom… Sobremesa do Gadanha Mercearia inspirada nos doces de Cédric Grolet
Renata Telles
O dia terminou em clima de realeza: passei a noite na Pousada Castelo de Estremoz, dentro da parte amuralhada da cidade. Como o nome entrega, o hotel ocupa um castelo medieval que conserva não apenas sua arquitetura, mas também a atmosfera dos séculos passados. Parte do edifício foi construído por volta de 1260, sob o reinado de D. Afonso III. Com quartos de camas de dossel e salões imponentes repletos de peças de antiquários e museus, é fácil se sentir parte de um conto de reis e rainhas. Dormir ali era como viajar no tempo — e ser, por uma noite, parte da nobreza.
Pousada Castelo de Estremoz
Renata Telles
Uma igreja feita de ossos humanos
Abandonei as pequenas vilas e me lancei em direção a Évora. Eleita a Capital Europeia da Cultura 2027, é uma das joias mais vibrantes do Alentejo. Declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO, a cidade de 53.577 habitantes é quase um museu a céu aberto. Cada esquina guarda séculos de memórias, dos vestígios romanos às influências medievais. No coração do centro histórico, entre tascas acolhedoras, o aroma de queijo e pão recém-saído do forno te convida para uma pausa gostosa — uma taça de vinho, alguns petiscos e nenhum compromisso com o relógio.
Évora
Divulgação
Entre os muitos tesouros de Évora, a Capela dos Ossos é, sem dúvida, a mais impactante. Construída no século XVII por monges franciscanos, a igreja tem as paredes e colunas revestidas por milhares de ossos humanos. “Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”, diz a inscrição à porta da capela, um cenário que impressiona e faz refletir sobre a efemeridade da vida.
Detalhe de uma das paredes da Capela dos Ossos
Divulgação
Perto da Sé Catedral, encontra-se o Templo Romano de Évora, que se tornou um dos maiores símbolos da cidade, ao lado da famosa Capela dos Ossos. Com estilo coríntio, o templo foi erguido no início do século I d.C., em homenagem ao Imperador Augusto. Embora tenha sido parcialmente destruído no século V, durante a invasão dos povos bárbaros, o monumento ainda preserva sua planta original, oferecendo aos visitantes uma visão impressionante do passado glorioso da cidade.
Templo Romano de Évora
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Uma vinícola com mais de 500 anos
Antes de dar adeus ao turismo rural e partir para a costa alentejana, eu sabia que a viagem só estaria completa com a visita a uma vinícola (olá, enoturismo!). Hoje, a região abriga cerca de 263 produtores e, apenas em 2024, foram comercializadas aproximadamente 123 milhões de garrafas. Visitei a Tapada dos Coelheiros, que tem mais de 500 anos de história. Em sintonia com a natureza, o lugar cultiva vinhos, nozes e azeite de maneira biológica, e aposta num modelo agrícola sustentável.
Tapada dos Coelheiros
Renata Telles
A bordo de um jipe, explorei parte dos 800 hectares da Tapada, cruzando vinhas, oliveiras e nogueiras que se espalham em harmonia pela paisagem. Pelo caminho, avistei veados que corriam livres e aprendi sobre as práticas agrícolas sustentáveis — um trabalho paciente, que respeita o ciclo da natureza e valoriza cada detalhe da terra. No final da visita, participei de uma deliciosa degustação de vinhos harmonizados com queijos da região, uma combinação perfeita para celebrar os sabores autênticos do Alentejo.
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A paradisíaca costa alentejana
Costa alentejana
Kerry Murray
Depois de alguns dias mergulhada no Alentejo mais tradicional, era hora de conhecer outra faceta da região: a paradisíaca costa alentejana. E não poderia haver porta de entrada melhor do que Comporta, a vila hippie-chic que virou um dos destinos mais desejados de Portugal. A pouco mais de uma hora de Lisboa, Comporta combina, com charme raro, o campo e a praia. De um lado, extensos arrozais; do outro, praias de areias douradas e águas cristalinas. Não à toa, conquistou milionários e celebridades como a cantora Madonna, o jogador de futebol Cristiano Ronaldo e tantas outras que buscam sossego e sofisticação à beira-mar.
Arrozais na Comporta
Kerry Murray
Espaço natural preservado, o vilarejo à beira do Atlântico tem 40km de faixa de areia. Entre os destaques estão a Praia do Carvalhal, a Praia do Pego e a Praia da Comporta, que na estação mais quente do ano ganham pufes coloridos, redes, guarda-sóis, espreguiçadeiras, sunbeds e festas ao pôr do sol.
Praia do Carvalhal
Kerry Murray
Para a minha estadia, escolhi o Independente Comporta. Aberto há pouco mais de dois anos, ele foi inspirado nas aldeias típicas da região. O espaço reúne 34 vilas — que vão de estúdios a casas com cinco quartos — e 40 quartos de hotel, espalhados por 12 hectares.
Independente Comporta reúne 34 vilas
Francisco Nogueira
O clima é de relax total: passeios de bicicleta, piqueniques ao ar livre, aulas de yoga e pilates, além do Aura Spa, onde os tratamentos usam ingredientes locais como arroz, sal e areia. O restaurante Maroto e o bar Bóia, comandados pelo chef Bruno Antunes, são paradas obrigatórias (mesmo que não seja hóspede): o arroz de coentros, o feijão-verde com parmesão e o crème brûlée de lavanda e maçã verde traduzem o espírito da região em cada garfada.
A ordem por aqui é relaxar!
Kerry Murray
O refúgio do Príncipe Harry
Seguindo pela costa de Comporta, chega-se a outro paraíso exclusivo: Melides. O povoado é um dos refúgios do Príncipe Harry e a mulher Meghan Markle, que recentemente adquiriram uma propriedade no local, avaliada em cerca de R$ 26 milhões. Assim como a sua vizinha, Melides mantém uma atmosfera discreta e sofisticada. Com pouco mais de 1600 habitantes, a vila revela um outro lado de Portugal, longe dos circuitos turísticos mais agitados do verão.
Hotel Vermelho em Melides
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Encantado pela região, Christian Louboutin até construiu um retiro para chamar de seu: o Hotel Vermelho, com apenas 13 quartos. Na primavera de 2026, o estilista lançará o segundo projeto, Vermelho Lagoa, às margens da lagoa de Melides.
E o que se faz em Melides? Assim como em todo o Alentejo, a palavra de ordem é desacelerar. Aqui, com um bônus irresistível: praias selvagens quase desertas, como a Praia da Aberta Nova, a Praia da Galé-Fontainhas e a Praia da Vigia — todas perfeitas para estender a toalha na areia, mergulhar sem pressa e deixar a vida passar devagar.
Mas a verdade é que o Alentejo é infinito em possibilidades. A região guarda ainda a Costa Vicentina, com seu litoral dramático e praias de tirar o fôlego, além de dezenas de vilarejos cheios de charme e tradições que sobrevivem ao tempo. É impossível dar conta de tudo em uma só viagem — e, sinceramente, nem é essa a graça. O Alentejo é daqueles lugares que quanto mais a gente vai, mais vontade dá de voltar, descobrir novos caminhos e se perder, de novo e de novo, nesse pedaço tão especial de Portugal.
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Fonte: Glamour

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