Segundo a pesquisa “Impacto da pandemia na educação do ensino médio brasileiro, na percepção do aluno”, 74% dos jovens apontam o ensino remoto como uma barreira para projetar seu futuro. Desses respondentes, 30% dizem que ficaram muito para trás, enquanto 44% sentem que estão um pouco para trás. O estudo foi produzido pela HSR Specialist Researchers sob encomenda do Valor.
Além disso, há uma distribuição relativamente equilibrada entre os jovens que ainda não decidiram o que fazer (29%); os que disseram que ingressaram no mercado de trabalho, ou pelo menos estão tentando (30%); e os outros que começaram uma graduação (28%). Em quantidade menor (12%), estão os que estão em um curso técnico.
Se analisado separadamente, dentre os jovens das classes C e D, os indecisos alcançam 47%, o que pode indicar dificuldades financeiras ou falta de oportunidades, explica Karina Milaré, sócia da HSR Specialist Researchers e responsável pela pesquisa.
“Só agora, estamos começando a calcular o impacto da pandemia no médio e longo prazo”, afirma Milaré. “Se analisarmos por um viés socioeconômico, fica muito claro as dificuldades para os mais pobres. Precisamos cuidar dessa lacuna, pois, caso contrário, as dificuldades podem se exacerbar ainda mais.”
Segundo a líder do estudo, há entre os jovens uma “percepção de impossibilidade de corresponder aquilo que lhes é exigido após os anos escolares. Por isso, tanta dúvida, insegurança e frustração.”
Já para o gerente de qualidade do ensino médio integral do Instituto Sonho Grande, Mateus Moratorio, durante a crise sanitária o foco principal das políticas públicas educacionais era a manutenção do contato com os estudantes e famílias, visando garantir o acesso e a permanência, e não necessariamente políticas para recompor as defasagens causadas pelo ensino remoto. “Na época, todos ficamos muito preocupadas em conter os efeitos da covid-19, mas agora, no pós-pandemia, chegou o momento de enfrentarmos esses desafios.”
Ainda sobre o período de estudo na pandemia, os estudantes afirmaram, por meio de respostas múltiplas, que o conteúdo foi ineficaz e raso comparado ao ensino presencial (35%), que tinham sentimentos negativos durante as aulas (21%), que preferiam o ensino presencial por melhor aprendizado (20%), que sentiam dificuldades de acompanhar o ritmo das atividades (19), que consideravam o professor despreparado para o ensino remoto (18%) e que se frustraram pela perda de conteúdo acadêmico (14%).
Estudante de educação física na Universidade de São Paulo (USP), Ludmila Barbosa, de 19 anos, conta que “praticamente não aprendeu nada” das disciplinas de biologia, física, e química no ensino médio. Ela afirma que sente o impacto dessa defasagem no ensino superior. “Preciso voltar no conteúdo do ensino médio para entender o que está sendo passado agora”, relata. “Nessa época, algumas aulas se resumiam ao professor passar slide. Além disso, é muito mais fácil se distrair em uma aula no celular do que na sala de aula.”
Já Luiz Guilherme Leite, de 20 anos, partilha que a ansiedade o acompanhou durante toda a pandemia. “O ensino remoto exige muita disciplina e responsabilidade, o que me deixou ansioso”, relata. “Era tudo muito novo, precisei, então, fazer tudo de um jeito diferente, e o pior: sem o contato cotidiano com o professor e sem a convivência com os colegas.”
Junto ao ensino médio, Leite cursou técnico em segurança do trabalho. Apesar de não querer seguir a carreira, ele sentia que seu colégio “não ensinava para quem estava sendo preparado para o mercado de trabalho, porque as aulas eram muito rasas.”
Além disso, o jovem diz que também foi necessária uma “readaptação” quando retornou ao ensino presencial. “Havia uma dificuldade, por exemplo de fazer prova sem consulta, por exemplo. No online, todos fazíamos prova olhando o caderno, e ainda, em segredo, alguns alunos passavam as repostas para outros”, conta. “Consequência disso: as únicas pessoas da minha turma que passaram para uma universidade federal foram as que fizeram cursos preparatórios.”
Dentre os principais desafios do estudo remoto estão, segundo Milaré, os recursos para um bom aprendizado. “Enquanto os jovens mais abastados dispunham de um computador e um lugar mais tranquilo e espaçoso para estudar, as pessoas de classe C, por exemplo, contavam com lugares menores, que dividiam com familiares”, afirma a sócia da HSR Specialist Researchers. “Além disso, o acesso a equipamentos eletrônicos foi mais restrito também, a maioria só contava com o celular, que em muitos casos dividiam com outras pessoas.”
O estudo aponta que os smartphones eram o principal meio de 85% dos jovens para assistir as aulas. “Com uma ampla maioria dos respondentes optando por essa ferramenta, sugere-se uma forte dependência desse dispositivo, possivelmente devido à acessibilidade e custo relativamente baixo”, afirma Milaré.
No entanto, explica a responsável pela pesquisa, essa dependência pode ter impactado negativo na qualidade do aprendizado, “especialmente em comparação com o uso de computador, que oferecem uma experiência mais robusta para atividades educacionais.”
Apesar de todas as dúvidas, a grande maioria dos jovens 94% acredita que a conclusão dos estudos é uma importante escada para o mercado de trabalho. E em consonância com esse dado, 60% consideram fundamental cursar uma graduação. Já para 32% dos participantes, a importância do curso superior depende de qual carreira vai se seguir, e somente 7% não acha necessário.
Diante de tantos desafios, a maioria dos estudantes (55%) nunca pensou em abandonar os estudos. Somente 17% parou temporariamente de frequentar as aulas, e 28% cogitaram a possibilidade de evadir.
Para a presidente executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, esse resultado expressa que as famílias brasileiras estão cada vez mais valorizando a educação, porque, em sua análise, o nível de escolaridade das mães aumentou. Então, “a responsável não admite que o filho não termine o ensino médio pela consciência adquirida após completar a educação básica.”
“A juventude também reconhece que terminar os estudos tem muito valor, do ponto de vista simbólico, e, acima de tudo, do ponto de vista prático”, explica Cruz. “Um jovem formado tem mais condições, por exemplo, de ingressar em melhores posições em seu primeiro emprego. Trata-se, portanto, de uma questão econômica que eles estão sintonizados.”
Já sobre aqueles que não consideram necessário o ingresso na universidade, o gerente sênior de ensino médio da Fundação Bradesco, Leonardo Paes Monteiro, afirma que no Brasil há uma ausência de cultura do ensino superior, principalmente para jovens periféricos. “Ou seja, precisamos desenvolver um trabalho a fim de mostrar para esse jovem que a universidade é um lugar que eles podem e devem acessar”, afirma. “O fato de existir universidade pública e muitas formas de acesso, não significa que essa informação chegue traduzida para na ‘quebrada’ e em outros locais com pessoas em vulnerabilidade. Isso precisa, então, ser traduzido, e não é uma tarefa tão simples.”
Apontando uma solução para todos esses desafios, a diretora presidente da Fundação Telefônica Vivo, Lia Glaz, afirma que é necessário, antes de tudo, reconhecer que houve baixa aprendizagem desses jovens durante o período da pandemia e isso aconteceu no país de forma desigual. Mas, segundo ela, nem tudo está perdido: “Para aqueles que já terminaram a educação básica, o ensino técnico ou superior, que tenha uma agenda de recomposição, por exemplo, pode amenizar a situação, assim como formações mais curtas durante a trajetória profissional”, recomenda. “O importante é também pensar na geração que ainda está na escola e entender que a recomposição de aprendizagem ainda é fundamental e precisa ser intencional.”
Glaz ainda reconhece a dificuldade de os jovens retornarem às salas de aula, dada a desmotivação. Porém, em sua visão, há alternativas para reverter este quadro. “As estratégias vão ter que ser de micro aprendizagem conectada com a prática. Ou seja, paradas rápidas para a aprendizagem, que quando colocada em prática já movimento sua vida sob o ponto de vista econômico”, afirma. “Isso pode começar dar ânimo a essa juventude.”
Paes Monteiro, da Fundação Bradesco, complementa que o jovem, cada vez mais, precisa entender o porquê de estar na escola. “É muito comum o aluno se questionar o motivo de estar aprendendo todos aqueles conteúdos e se isso vai ter aplicabilidade na vida. Daí é necessário um propósito da aprendizagem”, diz. Paes Monteiro ainda afirma que comportamento imediatista, que é próprio da juventude, não permite que eles enxerguem o propósito da aprendizagem formal. “Precisamos, então, ouvir os estudantes a fim de descobrir quais saberes ele já carrega consigo, e o que ele espera do processo de aprendizagem para, assim, conectar na vida os objetivos da escola.”
Ainda sobre o imediatismo, Priscila Cruz, do Todos pela Educação, afirma que a educação é um investimento de longo prazo. Ela explica que é um viés natural do ser humano a dificuldade de trazer para o presente o ganho futuro. “É preciso, então, uma sociedade que ajude o jovem a entender que ingressar no ensino superior é algo que se veja o ganho imediato, mas de longo prazo”, diz. “A rede social, por exemplo, é um vetor absolutamente contrário, porque reforça o ganho imediato, o tempo inteiro é dopamina instantânea em quem está conectado, o que torna mais difícil o esforço para ganhos futuros”, exemplifica.
Com tantas adversidades causadas pela pandemia de covid-19, a população brasileira vive um comprometimento geral da saúde mental, e os jovens são os mais afetados. Prova disso, é que 41% dos entrevistados reclamam de dificuldades no sono. Além disso, 25% afirmam que ainda lidam com problemas de saúde mental desde a pandemia, e outros 46% afirmam que estão superando, aos poucos os transtornos. Somente 29% conseguiu superar esses problemas causados pela crise sanitária e o, consequente, distanciamento social.
Diante dessa proliferação de transtornos mentais, Moratorio, do Instituto Sonho Grande, afirma que a escola tem papel fundamental na resolução deste problema. Porém, segundo ele, a instituição não dá conta sozinha.
“Penso a difícil situação da saúde mental dos jovens em uma perspectiva intersetorial”, avalia. “Pois vejo que tem um papel da educação e da escola, mas também não podemos deixar de lado os aspectos da saúde, da assistência social, da segurança pública, e da empregabilidade. Tudo isso, de alguma forma, influencia na saúde mental dos jovens.”
Segundo Morotorio, o jovem precisa entender que a escola é um espaço de acolhida e troca, e, também, que a equipe escolar está preocupada não só com a sua trajetória acadêmica, mas também com o seu desenvolvimento integral. “Precisamos discutir o papel do educador, que precisa de formação continuada para desenvolver um olhar para uma formação mais humana, integral e global. Inclusive sob a perspectiva de diversidade, porque precisamos aplicar iniciativas de inclusão, já que temos jovens marcados por diferentes questões sociais, de género, de raça, de classe e orientação sexual.”
Por sua vez, Leonardo Paes Monteiro, da Fundação Bradesco, recomenda o uso de moderado das redes sociais pelos jovens, pois, para ele, pode ser vetor de malefícios à saúde mental dos mais novos. “Cada vez mais os jovens estão recebendo todo tipo de informações por essas vias tecnológicas e isso acaba estourando na escola”, conta o especialista que defende a atuação de profissionais de psicologia no ambiente escolar. “A rede social inicia o assunto, mas a resolução acaba indo para dentro da escola e aí os profissionais têm que se reinventar para das conta das complexidades levantadas pelas redes sociais.”
Dentre as principais preocupações dos jovens apontadas pela pesquisa estão: dificuldade financeira (47), conseguir ou manter um emprego (32%), e permanecer no emprego (9%).
A responsável pela pesquisa, Karina Milaré, afirma que esse resultado se deve a um embate geracional desses jovens com os empregadores. Para ela, precisamos entender e se adaptar a visão de emprego dos mais novos, porque esse é “um caminho meio sem volta”. “Trata-se de uma mudança geracional, a nossa mentalidade também é diferente da mentalidade dos nossos pais, por exemplo”, diz.
Milaré conta que muitos desses jovens olham para as gerações anteriores e pensa: “Eu não quero ser assim! O que é que eles ganharam com tanto trabalho? Tenho outras ambições, desejos e valores’”. Segundo a especialista, os mais novos veem o trabalho não acima de outros aspectos da vida, mas de uma maneira mais equilibrada.
“Precisamos entender como abraçamos essas novas demandas trazidas pelos jovens e como consideramos essas diferenças nas propostas de e nas configurações de trabalho que temos para oferecer.”
Com a Geração Z, o mercado está aprendendo que não existe um caminho único, será necessário, então, refletir sobre uma forma de trabalho que os jovens se sintam parte, pois pode ocorrer vacâncias em certas áreas,”, Diz Moratorio, do Instituto Sonho Grande. “Não precisará atender todas as demandas da juventude, mas é fundamental encontrar um ponto de equilíbrio entre as suas necessidades e a vontade dos mais novos, a fim de que eles sejam uma potência criativa para o desenvolvimento do negócio e do país.”
Fonte: Valor