Adama Paris é uma das principais figuras da moda africana contemporânea. Diretora criativa de sua marca homônima, criadora do Fashion Africa Channel e a mente por trás do Dakar Fashion Week e Black Fashion Week, ela não apenas fomenta a indústria da moda global, mas também impulsiona designers negros e africanos, mostrando a potência da moda da África.
Hoje, ela desembarca no Brasil para uma participação especial: ela vai dar uma palestra na Rio2C, falando sobre moda, cultura e empreendedorismo global. A trajetória dela é sobre quebrar barreiras, criar novos espaços e provar que a moda africana é protagonista.
Nós batemos um papo com a Adama sobre sua história inspiradora — e você pode conferir a entrevista completa a seguir:

Foto: Adama Paris (Reprodução/Instagram)
STL: Quero saber: quando você lançou a marca Adama Paris, qual era a principal mensagem que queria comunicar através das suas criações?
Adama Paris: “Quando lancei, o que era realmente importante para mim naquele momento — e ainda é — era compartilhar minha paixão pela moda na África. Esse sempre foi o principal, sabe? Realmente compartilhar minha paixão pela África através da moda.”
STL: Além disso, seu trabalho transita por muitas culturas e muitos países. Como essa experiência internacional moldou a sua visão sobre a moda?
A.P.: “Bem, isso definitivamente moldou minha visão sobre moda. Acho que, para mim, a moda é apenas uma ferramenta que uso para me conectar com as pessoas, para contar minha história. Por isso, é tão natural para mim ir de Tóquio a Zanzibar ou Paris, porque sempre que estou entrando em um novo mercado, estou levando quem eu sou como africana, quem eu sou como uma mulher negra moderna e também o que gostaria que as pessoas daquela região recebessem de mim. Às vezes, isso é uma tarefa difícil para muitos designers, mas para mim é uma oportunidade de me reinventar como mulher negra africana e de apresentar o meu design, que está realmente ligado à minha identidade. Então, sempre é uma oportunidade de criar uma nova versão da Adama Paris, sem perder a essência, a identidade principal, porque, para mim, como empresária, também é importante vender, dar às pessoas a oportunidade de, claro, usarem meus designs — que são profundamente africanos —, mas de uma forma que elas não percam a própria identidade. Por exemplo, para minha coleção no Japão, é algo bem minimalista, mas sempre há o toque da Adama Paris, porque o que eu quero é que eles realmente usem, não apenas que vistam um boubou colorido e tudo mais. Eu também respeito a cultura com a qual estou me envolvendo.”

Foto: Adama Paris (Lorenzo Salemi)
STL: Você é considerada uma das principais figuras da moda africana contemporânea. Como você vê o impacto que seu trabalho teve na cena global?
A.P.: “Ah, bem… não sei. Quero dizer, esses são apenas títulos. Na vida real, como eu disse, você vai para um novo mercado, vai para o Brasil ou qualquer outro lugar, e faz o seu melhor, tenta ser sua versão mais autêntica, como designer e como pessoa. Para mim, meu design está muito ligado a quem eu sou. Acho que, quando tiver 60 anos, ainda vou criar para mulheres. Sou grata e feliz que minha visão e meu design trouxeram tanta atenção, porque, sabe, como designer, como artista, o que você quer é ser reconhecida pelo que faz. Então, ser reconhecida e elogiada como alguém que contribuiu para a moda africana e a cultura negra é simplesmente maravilhoso. Sou grata, me sinto honrada e quero continuar crescendo. Mas também é um peso, porque as pessoas sempre esperam que você seja boa, que melhore, que supere. Como empreendedora, tento transformar esse peso em algo mais leve, numa oportunidade de me provar de novo e de me aprimorar.”
STL: Você também é a criadora do canal Fashion Africa, que já tem 10 anos. Como tem sido a recepção do canal, tanto dentro quanto fora do continente africano?
A.P.: “Pelo que sei, tem sido muito boa. Quando comecei, parecia loucura, porque era o primeiro canal africano, tanto no continente quanto fora dele. Era louco para mim que ninguém tivesse pensado em colocar a moda africana e negra em um espaço para as pessoas compartilharem. Tem sido uma jornada, 10 anos não são um ano, e ainda estamos tentando fazer melhor e alcançar mais. Estou indo para o Brasil e mal posso esperar para me conectar com as pessoas, especialmente com meu povo negro, porque, no fim das contas, compartilhamos a mesma cultura. Negros de qualquer parte do mundo compartilham as mesmas raízes. Então, também quero ver a possibilidade de transmitir o canal fora da África e da Europa. Esse seria, para mim, o próximo grande objetivo para os próximos cinco anos: ter o canal no Brasil, América Central, e em todos os lugares onde as pessoas tenham interesse em ver nossa cultura através da moda.”
STL: O que você aprendeu nessa década com o Fashion Africa Channel?
A.P.: “Uau! Que a moda africana é incrível! A moda africana é muito mais do que as pessoas pensam. Ela está profundamente enraizada no nosso patrimônio, na cultura, nas viagens… E esses jovens africanos ousados estão fazendo acontecer! Eles estão no palco internacional, ganhando prêmios importantes, estão no Met Gala. A moda africana é pioneira para a África. Não valorizamos o suficiente a arte e a moda, e acho que essa é a nossa melhor maneira de vender a África: através da moda e da arte, mais amplamente. Isso ajuda as pessoas a nos entenderem melhor, ajuda a navegar pelo mundo, a chegar a lugares onde não conseguiríamos, porque a moda, como a música, é algo que você compartilha, independentemente da idade, da raça. Sempre falo sobre a negritude, mas a moda vai muito além da cor: é sobre cultura. Lembro que, quando criei, há uns 10 anos ou um pouco menos, a Black Fashion Week, as pessoas diziam: ‘Ah, você sempre fala sobre cor’, mas nunca foi sobre cor. Sempre foi sobre cultura. E, para entender mais a sua cultura, você precisa se conectar com o lugar de onde você vem. Seja negro brasileiro, negro americano, negro africano, negro asiático… todos temos algo em comum. A nossa negritude não é apenas uma cor, é uma cultura, um lugar de onde viemos. Então, para mim, a moda africana, pelos meus olhos, sempre foi uma defesa do que há de melhor na África.”
STL: E qual foi o maior desafio que você enfrentou ao criar espaço para designers africanos no mercado internacional, que sabemos que é eurocêntrico?
A.P.: “O primeiro desafio é o dinheiro. As pessoas não pensam nisso, mas é óbvio: se você tem dinheiro, pode ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa. Com dinheiro, você paga pelos melhores profissionais em cada área. Depois disso, vem a inclusão. Não culpo a Europa ou ninguém por não nos incluir. Por isso eu crio. Se você não me quer na sua mesa, eu crio minha própria mesa e trago meu próprio povo. As pessoas dizem: ‘Adama, você é uma grande empreendedora, faz isso, faz aquilo…’ Sim, provavelmente sou. Mas também porque não quero brigar com você ou com ninguém para estar no seu espaço. Se você não me permite estar, eu crio meu espaço e convido pessoas como eu para se juntarem. No fim das contas, para mim, a união é uma realidade e uma força. Por isso criei o Black Fashion Experience, criei o Sangal, as lojas que vendem designers africanos, criei o Fashion Africa TV, criei a Dakar Fashion Week… Tudo o que eu crio, crio porque estava faltando quando comecei.”
STL: Ao criar a Dakar Fashion Week e a Black Fashion Week, você abriu portas para inúmeros designers negros. Como você vê a evolução da representatividade negra na moda hoje?
A.P.: “Ah, melhorou muito, sem dúvida! Em todos os sentidos, até nas grandes casas de moda. Hoje você vê designers negros liderando grandes marcas. E não falo só deles, também nós, designers africanos, fazendo desfiles em Paris, Londres, Nova York, sem precisar da permissão de ninguém. Estamos lá, sabemos que temos espaço. Até no Met Gala, vemos que a moda africana e a cultura negra estão no centro das discussões. Esses africanos e negros estão fazendo muito! E, para que isso não seja apenas uma tendência passageira, precisamos criar algo sustentável: mais eventos que incluam negros e africanos. Esse é nosso dever, como africanos e como negros, criar nossos próprios espaços, não esperar que outros nos deem oportunidade. A cultura negra e africana na moda é enorme agora. Estamos vivendo um bom momento. Só precisamos trabalhar juntos para que seja sustentável, permanente, e não apenas uma moda que vai passar.”
STL: Como você vê a conexão entre a moda brasileira e africana?
A.P.: “Nossa, de tantas formas! Sempre que venho ao Brasil, sinto saudades quando vou embora. Estou ansiosa para voltar agora. É tão claro que somos vizinhos. De Dakar ao Brasil, se tivéssemos um voo direto, levaria duas ou três horas, no máximo. Estamos profundamente conectados. Vejo isso no design, nas pessoas… Países do Sul têm essas coisas em comum, não importa se são negros ou não. E, claro, quando vou à Bahia, ou encontro meus irmãos africanos, é ainda mais profundo. Eles sabem, somos irmãos. Quando converso com negros brasileiros — e acho que, em geral, com qualquer brasileiro — faz sentido: estamos mais próximos do que pensamos, até mais do que dos europeus. Nossa cultura, nossa comida, nossa forma de tratar a família… tudo isso. Até o brasileiro moderno está mais próximo da cultura africana do que da europeia, na minha visão. E acho que o fato de o Brasil ser tão diverso em raças facilita ainda mais nossa conexão. Mesmo havendo racismo, há muitas etnias diferentes. Isso cria esse sentimento de que ‘esse pode ser nosso povo’. E também o fato de que não há tantos africanos-africanos no Brasil, torna a nossa presença mais exótica, digamos assim. Na Europa, há muitos africanos, mas no Brasil, há negros brasileiros, mas não tantos africanos. Então, não temos nenhuma história de colonização ou ódio… Só amor. E acho que o Brasil, como outros países que trouxeram negros para as plantações, tem essa memória triste. Espero que tentem reparar isso. E acho que isso também nos conecta. Cada país tem sua história triste, e neste mundo, conectar-se com quem você foi e com quem quer se tornar é um sinal de crescimento. Espero que o Brasil que conheço continue fazendo isso: incluindo, dando espaço a todas essas pessoas lindas — de origens asiáticas, negras, brancas… Essa é a força do Brasil que todos admiramos. Eu posso ser brasileira, você pode ser brasileira, Gisele é brasileira! Isso é maravilhoso. Adoro essa mistura.”
STL: Explorando essa conexão, você acha que podemos unir nossas forças para sermos maiores na moda e além, numa escala global?
A.P.: “Sim, sem dúvida. Como você disse, tudo é tão europeu, tão eurocêntrico… Precisamos criar nosso espaço, não apenas afrocentrado, mas incluindo todas essas culturas ‘deixadas de lado’. Sabemos que temos muito em comum: até mesmo o clima. Meu clima se parece muito mais com o do Brasil do que com o de Paris ou Nova York, então acho que seria inteligente. Estou muito feliz de ter sido convidada para esse encontro, é uma forma real de conectar. Eles vêm até nós, e nós vamos até eles. É uma ótima oportunidade para conectar África e América Latina. Os países estão fazendo sua parte. A moda precisa ser mais inclusiva — não mais sobre raça ou forma, mas sobre geografia. Sempre fomos atraídos pela Europa, porque a Europa foi referência, e precisamos reconhecer isso. Mas também acredito muito na força de outras regiões! Cabe a nós criar o momento, o movimento. E este encontro [o Rio2C] é um passo nessa direção. Aplaudo muito os organizadores! Estou ansiosa para me envolver, voltar para casa com novos conhecimentos e também convidar pessoas. É assim que se constrói uma ponte!”
STL: Você planeja desenvolver projetos no Brasil ou na América Latina?
A.P.: “Sim! Quero muito levar o Black Fashion Experience para aí — talvez Bahia, São Paulo ou Rio, não sei. Vamos ver as oportunidades! E, mais uma vez, nunca é sobre excluir os brancos. Nunca foi isso. É sobre compartilhar uma moda que é mais uma experiência de cultura — minha cultura negra e africana. Quero também trazer designers do Brasil para o Senegal, convidá-los para experimentar. Para jovens criativos, viajar é essencial e viajar através da moda me dá uma visão ampla de tudo. Acho que a África tem muito a oferecer e que o Brasil é um dos países mais relevantes. Preciso me envolver mais na cultura, na arte e, claro, na moda. Quero não só falar, mas fazer — convidar pessoas, criar ao menos um evento por ano aí. Isso seria maravilhoso!”
STL: Você tem muitos projetos diferentes. Como você equilibra todos esses papéis?
A.P.: “É verdade, são muitas coisas, mas eu penso: ‘Meu Deus, isso é tão incrível!’ Uma coisa que eu também aprendi é que vivemos em uma sociedade onde as pessoas nascem e são criadas para fazer só uma coisa. Isso, pra mim, é simplesmente uma loucura. Por quê? Por que, como um ser humano, com um cérebro, com pés, com uma língua, e com o mundo como meu playground, por que estamos criando nossos filhos, jovens mulheres como você, para fazerem só uma coisa? Por quê? Tenho certeza que você é boa em muitas coisas além de ser jornalista. Tenho certeza que você tem outros sonhos além de ser jornalista. Tenho certeza que todos nós temos sonhos diferentes que se cruzam, mas vivemos em uma sociedade que diz: ‘Ok, isso é bom, só vou fazer isso’.
Eu acho que sou meio descritiva na minha cabeça… Tipo, penso que tem algo em mim que nunca vai se alinhar com o que a sociedade quer que eu faça. As únicas regras que sigo, que vivo e nas quais me mantenho, são: não machucar ninguém. Mas, além disso, eu faço o que eu quiser, e tento fazer da melhor maneira possível. E acho que talvez essa seja a resposta: eu nunca tive muito medo de falhar em nada.
Falhar, pra mim, é só um passo mais perto do sucesso. As pessoas, quando falham, dizem: ‘Ah, eu falhei’. Mas não! Para mim, é como se você estivesse subindo uma escada e escorregasse. Sabe, quando você cai, não é como se fosse simplesmente se levantar e ir embora. Não! Você precisa continuar subindo. Então, de qualquer forma, você vai ter que tentar de novo. Pra mim, é assim que eu vejo a vida em geral.
Claro, nunca é fácil, porque eu sou uma mulher negra e sou mulher, mas, sabe, vai ter sempre uma parte da sua vida que vai estar em baixa, outra parte em alta. Talvez haja alguns problemas familiares… Eu, por exemplo, me divorcio muito, sabe, mas tudo bem! Você pode ter tudo, às vezes. Uma jovem mulher como você, não deveria ter medo, e nenhuma mulher — mesmo que você tenha 80 anos — deveria ter medo de simplesmente fazer as coisas. E talvez seja por isso que eu ainda me sinto jovem na minha cabeça, no meu corpo, porque eu posso acordar e simplesmente pensar: ‘Ah, quero ir para Machu Picchu, quero ir para a Amazônia’. E eu vou! Porque sou livre. Sou livre na minha mente. Sou livre com meu corpo. E sou livre das expectativas que as pessoas têm sobre mim.
Então, talvez seja assim, eu realmente não penso muito. Eu nunca começo algo pensando: ‘O que eles vão pensar sobre isso?’. Nunca! Eu sempre começo as coisas pensando: ‘Será que vai funcionar? Como eu vou fazer isso?’. Então, de certa forma, eu vivo na minha bolha. E só percebo o que fiz quando as pessoas dizem: ‘Nossa, você fez todas essas coisas!’. E eu fico: ‘É, uau, né?’. Mas as pessoas só percebem o que eu conquistei, os sucessos. Ninguém conhece os meus fracassos, só eu. Eu posso me gabar e dizer: ‘Ah, eu fiz tudo isso’, mas eu falhei o tempo todo no caminho. Foi difícil, foi duro.
Eu ficaria entediada se não pudesse fazer todas essas coisas que amo. Sou essa mulher meio louca, que ama usar salto alto, mas também ama surfar, e também ama trabalhar na selva. Sou essa louca mesmo, literalmente. Meu cérebro está sempre assim, mas essa sou eu. Então, pra mim, isso é normal. E quando vejo outras pessoas fazendo diferente, penso: ‘Uau… então eu devo ser louca’.”
STL: Qual conselho você daria para jovens designers negros que querem se destacar na indústria?
A.P.: “O conselho que dou aos jovens brasileiros, ou a qualquer jovem, não importa sua cultura, nem sua raça: se quer fazer algo e ninguém te permite, crie. Vai ser pequeno, não vai ser perfeito no começo. As pessoas vão te encarar, vão te julgar, vão pensar ‘quem ela pensa que é?’. Mas, no fim das contas, ninguém te conhece mais do que você mesma. Mesmo que ainda não saiba, porque às vezes é jovem e duvida de si. Isso faz parte do processo. No fundo, ninguém sabe mais sobre você do que você mesma. Então, se você, como eu, quer ser melhor, quer fazer isso por você, pelo seu povo… vá em frente.”
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Fonte: Steal the Look