Depois da escola e da faculdade, a vida parece conspirar contra o surgimento de novas amizades. Se antes bastava dividir a carteira da sala ou o mesmo intervalo do trabalho para a mágica acontecer, hoje, a rotina corrida, as responsabilidades e até a própria internet mudaram a forma como nos conectamos. Fazer amigos depois de adulto é possível, claro, mas exige consciência, disponibilidade emocional e, principalmente, disposição para investir em vínculos que realmente importam.
Isso porque, conforme crescemos, os espaços “naturais” para conhecer gente diminuem e, junto com eles, as chances de cultivar relações profundas. Afinal, ninguém avisa que entre boletos, reuniões no Zoom e crises existenciais de terça-feira, o mais próximo que muitos adultos chegam de uma vida social é responder “vamos marcar!” no WhatsApp — sem nunca, de fato, marcar nada.
a dificuldade real de se conectar
Apesar disso, não é só sobre tempo: existe vergonha, insegurança, medo de rejeição e, para muitos, a sensação de que “já tenho os meus amigos e pronto”. A introversão também pesa. É o caso da Sofia Chel, que compartilha: “As pessoas banalizam termos e confundem coleguismo ou relações de cordialidade com amizade, e definitivamente não é bem assim. Do mesmo modo que uma relação amorosa, amizade também exige tempo, dedicação, afeto e reciprocidade. Não é algo que se encontra na esquina; pode até acontecer de cruzar com alguém interessante por acaso, mas a construção leva tempo, às vezes nem tanto, mas nunca do dia para a noite, e acontece de forma natural, leve e sem cobranças.” Ela completa: “Nunca foi fácil para mim criar conexões, principalmente por eu ser uma pessoa fechada. Se alguém puxa conversa comigo, assunto não falta, mas raramente sou eu quem dá o primeiro passo. Isso, por si só, já me distancia de conhecer novas pessoas.”

Foto: Por que é tão difícil fazer amigos depois de adulto? (Reprodução/Pinterest)
A vida adulta afunila: o círculo de amizades se estreita, as prioridades mudam e a energia para socializar já não é a mesma. Mayra Souza viveu isso de perto: “Passei por um relacionamento longo e complicado numa época dos 18 aos 20 e poucos anos (período que acho muito importante para construir amizades, pois estamos com pique e energia). Mas fui fazer amizades só depois que esse relacionamento acabou. Sabe quando você só vive para o relacionamento? Depois que saí dessa relação foi que percebi que tinha poucas novas amizades e com os anos percebo que vem ficando mais difícil construir relações profundas. Está todo mundo correndo o tempo todo, marcar um jantar ou encontro com amigas virou um quebra-cabeça de tentar encaixar um dia e horário que nunca ninguém consegue.”
Esse relato mostra bem o que a maioria sente: o tempo parece encolher, e fazer amizade passa a ser quase uma agenda compartilhada no Google Calendar.
Amizade verdadeira não se mede em quantidade ou no número de anos que já existe, mas na profundidade e na entrega que ela carrega.”

Foto: Vivências similares podem ser um elo na aproximação (Reprodução/Pinterest)
Amizades adultas não acontecem “por acaso” — exigem manutenção. É preciso aceitar convites (mesmo quando dá preguiça), propor encontros, mandar mensagens sem motivo e, sobretudo, ouvir de verdade. Amizade não é uma via de mão única, mas sim sobre reciprocidade. Nesse contexto, muita gente fala sobre a chamada “amizade de baixa manutenção”, aquela em que não é necessário conversar todos os dias ou se encontrar o tempo todo para que o vínculo permaneça forte. O termo, porém, divide opiniões: para alguns, faz todo sentido na correria da vida adulta, enquanto outros defendem que a intimidade verdadeira não sobrevive só de silêncios e reencontros esporádicos.
Como reforça Sofia, no fim, não dá para encher duas mãos quando pensamos em quem realmente permanece. “Amizade verdadeira não se mede em quantidade ou no número de anos que já existe, mas na profundidade e na entrega que ela carrega.”

Foto: Amizade de baixa manutenção é válida ou não? (Reprodução/Pinterest)
Apesar dos desafios, ainda há caminhos possíveis para quem deseja ampliar seu círculo social. Fazer amigos depois de adulto significa, antes de tudo, se colocar em ambientes onde as pessoas também estejam abertas a novas conexões. Isso pode acontecer em grupos de interesse, como aulas de yoga, dança, cursos ou clubes de leitura, mas também em esportes coletivos, no voluntariado ou até em coletivos de bairro. E, para quem não dispensa a ajuda da tecnologia, aplicativos voltados para amizade podem ser aliados valiosos.
É justamente nesse ponto que entra a experiência da Karen, que desde sempre sentiu dificuldade em fazer amigos e precisou criar suas próprias táticas para mudar essa realidade. Na faculdade, ela percebeu que, se não tomasse a iniciativa, corria o risco de não construir laços, então decidiu conscientemente se esforçar: puxava papo, convidava colegas para trabalhos em grupo e buscava afinidades. “A primeira estratégia que eu sempre uso é focar em pessoas que tenham algo em comum comigo, principalmente minorias. Se eu tô em um ambiente e tem uma menina negra, é nela que eu vou tentar me aproximar primeiro, porque sei que vai ter algo mais fácil de ser compartilhado ali. O mesmo vale quando encontro alguém LGBTQIAPN+ — vivências parecidas tornam a aproximação menos intimidadora”, explica.
Para ela, encontrar afinidades é o segredo: pode ser uma pauta profissional no ambiente de trabalho, um hobby, ou até o clássico “small talk” de elevador, que ajuda a quebrar o gelo. “Quem tem dificuldade de socializar precisa se esforçar todos os dias, seja mandando uma mensagem, chamando para almoçar, puxando conversa. E é importante não levar para o lado pessoal quando a pessoa não responde na hora ou não pode sair. Às vezes é só a correria da vida adulta.”

Foto: No fim, fazer amizades não precisa ser difícil, mantê-las é que é o verdadeiro desafio (Reprodução/Pinterest)
É impossível ignorar o papel da tecnologia nesse contexto. Redes sociais deram a sensação de proximidade, mas nem sempre substituem encontros reais. A pandemia também mudou tudo: deixou muita gente mais isolada e, ao mesmo tempo, aumentou a busca por novas conexões.
E há ainda um recorte geracional: millennials e Gen Z encaram as amizades de modos diferentes. Enquanto o primeiro grupo sente mais o peso da rotina, o segundo se joga em comunidades online e não tem tanta dificuldade em chamar alguém que só conhece pela internet para um café.
Fazer amigos depois de adulto é, sim, possível — mas exige consciência, presença e entrega. Talvez a beleza esteja justamente nisso: no esforço de encontrar pessoas que combinem com a nossa versão atual, e não com a que fomos anos atrás — afinal, está tudo bem mudar! E, no fim, não é sobre quantidade de convites aceitos, mas sobre a qualidade dos vínculos que nos sustentam.
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Fonte: Steal the Look