Jonathan Siboni: “A rotatividade de diretores artísticos não vai aumentar o volume de negócios”

Publicado em



29 de setembro de 2025

Depois de uma semana em Milão, que terminou no domingo, o microcosmo da moda vira-se agora para Paris. E, tal como na cidade lombarda, na Cidade Luz, todas as atenções estarão voltadas para os diretores artísticos (DA) das grandes casas de moda que se estreiam esta semana. Esta vaga de mudanças surge em pleno abrandamento do setor do luxo, que afeta a maioria das marcas e dos grupos. Será suficiente para relançar a desejabilidade e o consumo? Jonathan Siboni, especialista em luxo, fundador da Luxurynsight (que apoia os players do luxo com ferramentas de análise de dados e que adquiriu a Heuritech, especialista em análise de redes sociais), é um profundo conhecedor dos desafios da internacionalização. À FashionNetwork.com, apresenta a sua análise do contexto atual, entre direitos aduaneiros norte-americanos, pressões chinesas e questões organizacionais. E disseca os desafios que se colocam a um setor que procura uma receita para a recuperação.

Jonathan Siboni
Jonathan Siboni – Luxurynsight

FashionNetwork.com: Há vários trimestres que os resultados dos grupos de luxo evidenciam as dificuldades associadas ao abrandamento do setor. Como analisa o contexto económico global? E quais são as preocupações dos dirigentes?

Jonathan Siboni: A palavra-chave deste arranque de temporada é incerteza. E tem de ser no plural. Há muitas incertezas sobre as taxas nos Estados Unidos, sobre o nível de consumo na China, sobre o poder de compra e sobre o que se passa no seio dos próprios grupos e na desejabilidade do luxo de forma mais global. Os grupos de luxo são extremamente internacionalizados, muito mais do que outros setores, e enfrentam incertezas em todo o mundo.

FNW: Por outras palavras?

JS: Ao longo dos últimos 30 ou 40 anos, houve sempre uma região mais dinâmica do que as outras. Foi o Japão nas décadas de 1970-1980, depois o Médio Oriente e a China, que durante muito tempo foi o motor. Só que agora, excetuando o Médio Oriente, que continua a ser um mercado modesto, todos os motores parecem estar a engasgar-se. A única altura em que tudo ficou bloqueado foi durante a pandemia de Covid… e a China ia bem. O que muda é que se acrescenta à incerteza atual uma conotação um pouco existencial. “O luxo vai sobreviver?” Isso desencadeia um efeito dominó. Alguns dizem: “Não vale a pena lutar.” Errado! Acredito que o luxo, que existe há 200 anos e atravessou duas guerras mundiais, continuará a florescer. A questão é: como?

FNW: Acha que os grupos têm a resposta?

JS: Estão a construí-la, com uma reflexão mais racional do que emocional. E têm razão. A abordagem emocional é mudar o diretor artístico, tentando voltar a insuflar desejabilidade na marca. Vai-se tentar uma vez, duas vezes, três vezes… Mas é puramente emocional.

FNW: Acabámos de assistir a uma enorme rotatividade de diretores artísticos. Esta Semana da Moda, no final de setembro, conta com um grande número de novos nomes à frente das principais casas de moda. Estas mudanças não são racionais?

JS: Essa é a resposta mais básica. “Não está a correr bem, vou mudar.” Mas, uma troca de diretor artístico, neste contexto, não é racional. Altera a forma como a marca se projeta. Mas, não é isso que lhes vai devolver o volume de negócios perante o abrandamento do setor. Atenção, é uma aposta, pode funcionar. Mas não creio que seja aí que se decide o essencial.

FNW: Porquê?

JS: Porque, em anos anteriores, de facto, quando uma marca atravessava dificuldades, se um elemento deixava de fazer sonhar, era possível mudar o DA para relançar a desejabilidade. Só que agora o problema é muito mais profundo. Substituir o diretor artístico não vai mudar nada. Se todos mudaram de DA, não é porque todos encontraram a solução, é porque ninguém a encontrou. Agora, todos apresentam algo diante do pano… Mas o que conta é o que se joga por detrás da cortina.

Por detrás da cortina, os grupos de luxo estão em plena atividade
Por detrás da cortina, os grupos de luxo estão em plena atividade – Shutterstock

FNW: O que quer dizer?

JS: Creio que, no contexto atual, mesmo que escolham o DA certo, não resultará se não houver uma reflexão racional. Que a marca se interrogue sobre a sua identidade, as suas alavancas de crescimento, a sua produção, o seu pricing, a sua desejabilidade… E, a este respeito, vemos que a maioria das marcas está a armar-se, a equipar-se com ferramentas para medir todos estes elementos. E para ver onde estão a falhar. Penso que a vantagem da situação mais delicada é que a tecnologia permite analisar os problemas, o que não era o caso há 20 anos. E, depois, que uma nova governação, mais jovem, permitirá pensar e agir sobre estes temas.

FNW: Vê isto a acontecer nas suas conversas com as marcas?

JS: Ainda não no segundo ponto. Mas, creio que é uma oportunidade para as novas gerações à frente dos grupos. A geração de dirigentes por detrás da LVMH, mas também da Kering à sua maneira, soube escalar a indústria do luxo. Em cerca de 15 anos, desenvolveram-se em todas as geografias, chegaram mesmo a abrir uma nova, a do digital, abrangeram todas as categorias possíveis, exploraram extensões no lifestyle e na hotelaria. A Louis Vuitton fatura mais de 20 mil milhões de euros. É fenomenal! Como ir mais longe? A mudança geracional vai chegar numa altura em que muitas regras do jogo estão a mudar. Os grupos estão em dificuldade: na verdade, é uma oportunidade para os jovens. Vão poder assumir o comando.

FNW: E quanto ao aspeto tecnológico?

JS: Vejo que as marcas estão, em termos gerais, mais abertas a soluções, apesar das dificuldades do setor e dos orçamentos apertados.

FNW: A que se deve isto?

JS: Na história do luxo, a mudança vinha de uma mestria intuitiva, criativa, do líder visionário. Ora, o poder do CEO diluiu-se relativamente perante a complexidade dos desafios. Há 30 anos, dominava os desafios: três categorias de produtos, num mercado muito mais restrito. Hoje, com a expansão da atividade, está atolado no operacional. Os que se destacam conseguem manter uma pequena largura de banda para se reinventarem. Há a consciência de que a tecnologia permite responder a certas questões. Temos vindo a trabalhar temas de pricing. Até há pouco tempo, os aumentos de preços não eram um tema. Mas, nos últimos meses, isso passou a interessar bastante.

Nos Estados Unidos, apesar das evoluções dos direitos aduaneiros, os grupos de luxo são prudentes nas subidas de preços
Nos Estados Unidos, apesar das evoluções dos direitos aduaneiros, os grupos de luxo são prudentes nas subidas de preços

FNW: Por falar em preços, como analisa o impacto no setor da evolução dos direitos aduaneiros após as decisões da administração Trump?

JS: Há três níveis de reflexão. O primeiro é que o cliente compra luxo quando está de bom humor. Um americano, face a direitos aduaneiros totalmente instáveis e em incerteza quanto à situação do país, não vai fazer fila numa boutique. O segundo é que há um tempo de reação das marcas. Preferem perder margem a perder negócio. Quando há pouca atividade, preferem realizar vendas e perder um pouco de margem do que querer manter a margem e perder vendas. E o terceiro elemento de reflexão é a realidade dos preços: uma alteração de preços nos Estados Unidos é decidida pelo mercado como um todo, não por um único player. Portanto, cada um espera o movimento dos outros.

“Estamos ainda numa fase de incerteza em que não devemos mexermo-nos demasiado depressa.”

FNW: Isto explica o silêncio dos players do luxo sobre a questão americana, apesar da importância do mercado?

JS: Sim. Primeiro, porque Trump muda de ideias mais depressa do que a Bolsa. Depois, o luxo nunca baixa os seus preços. Se fosse aplicada uma taxa de 50% e uma marca aumentasse os seus preços em 10% em reação, não poderia voltar atrás se a taxa desaparecesse. Os efeitos “cliquet” são demasiado complexos. As marcas avançam, portanto, por pequenos aumentos já previstos de qualquer forma, enquanto observam o que se passa. A atitude dos consumidores abastados, capazes de influenciar Trump, também será interessante de acompanhar. Ele poderia, por exemplo, imaginar uma zona de isenção fiscal como Hainan, na China. Em suma, estamos ainda numa fase de incerteza em que não se deve mexer demasiado depressa.

FNW: Então os grupos de luxo não estão a fazer nada?

JS: Pelo contrário, trabalham para limitar as más decisões e otimizar o existente. Mesmo num mercado anémico, alguns geram crescimento. A vertente criativa pode desempenhar um papel, mas é sobretudo uma questão operacional. A Prada, por exemplo, explorou muito bem a oportunidade Miu Miu, sendo certeira na sua oferta e na sua ligação com os clientes.

FNW: Bernard Arnault anunciou a abertura de unidades de produção nos Estados Unidos. Trata-se de uma manobra publicitária ou de uma tendência de fundo?

JS: Pode ser um movimento de fundo. Recorda os anos 1980, quando os construtores automóveis japoneses abriram fábricas na Europa para evitar o japan bashing e as taxas. A LVMH já tem unidades nos Estados Unidos; acrescentar outras não é incoerente e envia um sinal a Trump. Mas, isto não se aplica a todas as casas: para produtos ligados a savoir-faire francês ou a materiais raros, o “made in France” é essencial. Em contrapartida, em setores mais industriais, como a beleza, pode imaginar-se uma produção híbrida: componentes e packaging fabricados nos Estados Unidos, matérias-primas e saber-fazer provenientes da Europa.

“Estou convencido de que a China continuará a ser um motor do luxo. É mesmo agora que é preciso lá estar.”

FNW: Se o mercado americano é complexo, sendo especialista no mercado chinês, como analisa a situação do consumo na China? A sua fraqueza é apresentada como penalizadora para os atores do luxo.

JS: Quando falamos da China, há vários temas. Antes da Covid, os chineses que compravam luxo faziam-no 70% das vezes no estrangeiro. Com a crise da Covid, de repente, o mercado chinês conheceu um crescimento vertiginoso. Normal: o consumo local era quase nulo anteriormente. Mas, a verdadeira questão para o luxo foi a queda da percentagem de consumidores chineses. Esta passou de 33% para 16%. Na realidade, a leitura errada foi dizer que a China estava em crescimento, quando não era o caso dos consumidores chineses no conjunto. No pós-Covid, os consumidores chineses voltam a viajar, para a Coreia do Sul ou para o Japão, onde, aliás, sustentam o crescimento do luxo.

FNW: Então, o consumidor chinês continua ativo…

JS: Exatamente, no conjunto, nada é assim tão aflitivo. Os jovens, sobretudo, mudaram: filhos únicos, apoiados por duas gerações, questionam o sacrifício no trabalho. Depois da Covid, atravessam uma fase de saturação, um pouco como no Ocidente, com um desfasamento de três anos. Mas, sabem que pagam o preço completo… E, assim que há promoções, regressam à loja. O desinteresse é exagerado.

A forma como os chineses consomem luxo transformou-se
A forma como os chineses consomem luxo transformou-se – Shutterstock

FNW: Então este ainda é um mercado a abordar?

JS: Estão preparados para comprar produtos de boa qualidade que façam sentido para eles num determinado momento. As marcas que respondem a isso têm bom desempenho. A diferença é que, há 25 anos, o consumo de luxo mostrava sucesso e modernidade. Depois, sucesso e identidade. Agora querem apenas mostrar a sua identidade. E isso passa por um mix and match com marcas mais baratas. Mas, se uma marca tem uma identidade forte e cria valor, eles responderão. Apesar de uma economia à procura de fôlego, estou convencido de que a China continuará a ser um motor do luxo. É mesmo agora que é preciso lá estar. Os vencedores de amanhã emergem em períodos de combate.

FNW: Os europeus ainda podem travar esta batalha? No início do mês, realizou-se o fórum de Tianjin, por iniciativa de Pequim, que valorizou a economia local e regional. Devemos temer uma viragem para o consumo e para as marcas locais?

JS: Quando há conflitos muito fortes entre líderes, coloca-se sempre a questão dos equilíbrios. Mas, o impacto no luxo não será a curto ou médio prazo. Compra-se o luxo francês porque é francês. É a nossa força e a nossa fragilidade. A nossa indústria assenta verdadeiramente na força da marca França. A desvantagem é que, se não gostarem do nosso país, as nossas marcas são preteridas.

FNW: Então não haverá substituição por marcas chinesas?

JS: Não há concorrente chinês para a Hermès ou a Louis Vuitton. A competição é mais ampla! Os chineses estão dispostos a comprar uma marca chinesa se ela for emocionalmente mais forte. E isso já é uma mudança de mentalidade. Se uma marca chinesa de skincare for mais adequada às peles locais, compreendo que a escolham. Na joalharia, a Laopu é um caso particular, com a utilização de ouro puro. Mas, não há Guochao (o consumo de produtos chineses por orgulho nacional) na moda.

FNW: É um mito?

JS: Acredito mesmo que, nos equilíbrios mundiais, as nossas marcas ainda podem contar a sua história. A Europa pode ser um terreno neutro num conflito Estados Unidos-China. E, na realidade, nunca vi tantas marcas chinesas a desenvolverem-se na Europa. Já conquistaram o Sudeste Asiático; para já, não irão para os Estados Unidos. Também vejo isso como positivo para a nossa economia.

FNW: Mas, todos estes fatores levaram a que as prioridades geográficas fossem redesenhadas?

JS: Na realidade, foram redesenhadas muitas vezes e de forma marcada nos últimos 10 anos. Chegou-se mesmo a acrescentar o digital a estas fronteiras durante este período. Mas, a questão não é saber a que zona se agrega a China, é como responder especificamente aos clientes. As marcas vão ter de refazer o trabalho de conhecimento do cliente e do contexto local. Voltar a ser marcas de luxo e afastar-se de processos industriais. Na verdade, o luxo conseguiu escalar os seus processos artesanais, mas não necessariamente a relação com os seus clientes.

FNW: Este contexto não irá alargar ainda mais o fosso entre os grandes grupos e as marcas independentes?

JS: Sim, creio que sim. É também por isso que a Armani diz no seu testamento que deseja que a sua empresa seja comprada por um grande grupo. Quando há incertezas a gerir, é mais simples com milhares de milhões na conta e equipas de gestão de topo. A sua dimensão permite-lhes absorver o impacto dos efeitos de câmbio. Uma marca independente não pode permitir-se perdas de dezenas de milhões de euros ligadas a este tipo de questões. Isto vai certamente levar a uma maior concentração dos players do luxo. Contudo, alguns independentes de pequena dimensão, com modelos específicos e protegidos, poderão continuar a existir. Assim que certas marcas atingirem volumes muito importantes, a complexidade dos desafios e dos riscos exigirá que estejam integradas num grupo. Quando um player ultrapassar os 200 milhões de euros, poderá talvez ainda duplicar de tamanho, mas a questão de encontrar um parceiro será existencial para continuar a crescer.

Este artigo é uma tradução automática.
Clique aqui para ler o artigo original.

Copyright © 2025 FashionNetwork.com. Todos os direitos reservados.

Fonte: Fashion Network

Compartilhar esta notícia