a imagem no ambiente profissional » STEAL THE LOOK

Você já reparou como, em muitos ambientes profissionais, basta uma mulher entrar de blazer bem cortado para a conversa mudar de tom? O volume baixa, os olhares ajustam o foco, e de repente, tudo que ela diz parece mais sério, mais importante. Coincidência? Nem um pouco. Embora a competência fale por si, ainda vivemos em um mundo onde a imagem continua sendo o primeiro argumento — e é aí que entra o power dressing. Mais do que um estilo, ele nasceu como uma estratégia. Hoje, segue sendo uma ferramenta de presença, confiança e, sim, de respeito. Mas até que ponto ainda precisamos “vestir o papel” para sermos levadas a sério?

Alguém ajusta o laço de outra pessoa vestindo um elegante terno, evocando o conceito de Power Dressing.

Foto: Catherine Deneuve e Yves Saint Laurent (Reprodução/Alain Nogues)

onde tudo começou: o nascimento do power dressing

Nos anos 1980, enquanto mais mulheres passavam a ocupar cargos tradicionalmente dominados por homens, surgiu também a necessidade de criar uma estética que comunicasse autoridade e competência sem abrir mão da feminilidade. Foi assim que o power dressing entrou em cena: uma espécie de ‘uniforme simbólico’ composto por ternos estruturados, ombreiras (bem) marcadas e uma paleta sóbria que remetia diretamente à hierarquia dos escritórios — mas com uma nova protagonista. Era a roupa como armadura, construída para enfrentar reuniões, negociações e olhares duvidosos com a força de quem precisava, todos os dias, provar que sabia o que estava fazendo.

Embora o termo tenha se popularizado nos Estados Unidos, o movimento teve raízes na moda europeia também — e não dá pra ignorar o papel de Yves Saint Laurent, que já em 1966 apresentou o Le Smoking, o primeiro terno feminino da alta-costura. Na época, foi revolucionário (e, para muitos, escandaloso!) colocar uma mulher em um look até então exclusivo do guarda-roupa masculino. Décadas depois, esse gesto segue sendo referência quando falamos sobre como o vestir pode abrir portas. Antes associado a ombreiras e ternos masculinizados, o power dressing tem ganhado novas camadas — agora mais íntimas, subjetivas e politizadas.

o vestir-se como estratégia e expressão

A verdade é que muitas mulheres adotaram o power dressing não apenas por gosto, mas por necessidade. Em um ambiente onde suas habilidades frequentemente são colocadas à prova, vestir-se com intenção virou parte da performance profissional. O look virou linguagem, e se comunicar visualmente com confiança passou a ser quase tão importante quanto um bom currículo.

Quem vive isso na prática é Carol Paiffer, Presidente e Diretora da área de Investimentos da Atom Participações S.A, e um dos ‘tubarões’ no Shark Tank Brasil. Atuando em um setor majoritariamente masculino, ela percebe como a forma de se vestir ainda impacta diretamente a percepção de poder e credibilidade. “Quando falávamos de moda em ambientes muito voltados para o mercado financeiro, naturalmente as pessoas remetiam à moda masculina. Hoje, cada vez mais, conseguimos colocar a nossa personalidade feminina, que também inspira credibilidade e poder, em looks que são considerados profissionais”, explica. E completa: “Como, por muitas vezes, ainda sou a única mulher em muitos lugares que frequento, não abro mão de ser eu mesma e de estar confortável, mas também me visto para comunicar o que eu quero, seja mostrar firmeza ou fechar um negócio”.

Mulher em traje elegante, simbolizando Power Dressing, caminha confiante em rua da cidade.

Foto: Carol Peiffer (Reprodução/Instagram)

“Pra mim, hoje, power dressing é sobre vestir quem eu sou — com segurança. Não se trata mais de se encaixar em um padrão ‘masculinizado’ de poder, mas de ressignificar o que é presença, influência e respeito a partir da nossa linguagem visual.”

Manu Bordasch, CEO do Steal The Look, sente isso desde o início da sua trajetória como empreendedora. “Infelizmente, ainda existe uma pressão, principalmente sobre as mulheres, de performar competência visualmente antes mesmo de falar uma palavra”, diz. “A imagem ainda abre ou fecha portas — especialmente para mulheres em cargos de liderança.” Ao longo do tempo, Manu percebeu que estilo e autoridade não precisam andar em lados opostos. “Acredito que dá, sim, pra ser leve, feminina, autêntica e ainda assim ocupar espaços de liderança com respeito.” A chave, para ela, está na intencionalidade: usar a imagem como aliada, sem deixar de ser quem se é.

Esse equilíbrio, aliás, é o que redefine o power dressing nos dias de hoje. Mais do que seguir uma fórmula masculina de poder baseada em rigidez, sobriedade e neutralidade, mulheres como Manu vêm ressignificando esse código visual. “Pra mim, hoje, power dressing é sobre vestir quem eu sou, mas com segurança. Não se trata mais de se encaixar em um padrão ‘masculinizado’ de poder, mas de ressignificar o que é presença, influência e respeito a partir da nossa linguagem visual.” Isso pode vir com uma alfaiataria impecável ou com um vestido fluido. Desde que a escolha venha de dentro pra fora.

Mulher em vestido preto ombro a ombro, símbolo de Power Dressing, com expressão confiante e olhar de lado.

Foto: Manuela Bordasch (Reprodução/Instagram)

Para mulheres negras, esse jogo de aparência no ambiente profissional ganha mais camadas. O que parece uma simples escolha estética pode carregar uma série de implicações sobre como serão recebidas, ou sequer reconhecidas, nesses espaços. Fernanda Ribeiro, CEO da ContaBlack, conhece bem essa realidade. “Infelizmente, a construção da percepção das pessoas sobre a sua entrega profissional perpassa pela aparência física”, diz. “Pessoas com marcadores sociais semelhantes ao meu, acabam por muitas vezes ter que apagar aspectos importantes da sua personalidade por conta desse fator.”

No mercado financeiro, onde Fernanda atua, o código visual esperado segue sendo formal e sóbrio, mesmo com pequenas aberturas para a informalidade. “As pessoas da ‘Faria Lima’ ainda são percebidas pelo que vestem, principalmente se elas não são homens e brancos.” Por isso, ela foi desde cedo ensinada a se vestir com intenção. “Minha mãe sempre foi uma referência pra mim. Ainda que trabalhasse em um posto de saúde, estava sempre muito bem arrumada. Aprendi com ela que, sendo mulher e negra, era importante pensar na forma como nos apresentamos.”

Mulher elegante em branco, em poltrona preta, com expressão confiante, refletindo estilo e poder no vestir.

Foto: Fernanda Ribeiro (Reprodução/Instagram)

Mas se engana quem acha que estar “bem-vestida” garante blindagem. “Já aconteceu em lugares onde eu era palestrante, por exemplo, precisar provar que eu era a Fernanda Ribeiro”, conta. Hoje, ela busca um equilíbrio possível entre autenticidade e presença: adapta o visual conforme o contexto, mas sem abrir mão do que faz sentido pra si. E, sobre o power dressing, ela traz um olhar afiado: “Tem gente que se sente poderosa com salto alto e terninho, outras só com um batom vermelho. O ‘power dressing’ precisa ir ao encontro da sua personalidade — senão, corre o risco de virar só mais uma armadilha de padronização que te afasta de quem você é.”

Mesmo em um look que comunique credibilidade, muitas mulheres negras ainda são subestimadas ou questionadas. O power dressing pode ser ferramenta, mas não é escudo para o racismo. Mulheres gordas, com deficiência ou que fogem dos padrões normativos de beleza também sabem bem: nem mesmo estar ‘bem-vestida’ é garantia de ser levada a sério. A validação estética continua seletiva — e, muitas vezes, cruel.

o peso da imagem: entre a política visual e os códigos silenciosos do poder

A fala da Fernanda evidencia um aspecto pouco debatido com profundidade: a imagem como ferramenta — e armadilha — de validação no ambiente de trabalho. Não se trata apenas de estilo pessoal ou gosto estético, mas de códigos silenciosos que, muitas vezes, determinam o quanto alguém será ouvido, respeitado ou promovido. E esse julgamento, como mostram estudos recentes, é tudo menos neutro.

A Harvard Business Review, por exemplo, revelou que mulheres consideradas muito atraentes costumam ser percebidas como menos competentes e honestas em cargos de liderança — especialmente se ocupam posições de autoridade em ambientes masculinos. Um paradoxo cruel: o mesmo atributo que abre portas em alguns contextos pode deslegitimar a presença feminina em espaços de poder.

Quando se adiciona o marcador racial à equação, o desafio se intensifica. O relatório Women in the Workplace de 2023, produzido pela McKinsey em parceria com a LeanIn.Org, mostra que mulheres negras enfrentam maiores barreiras para ascensão profissional, menos apoio de colegas e menor visibilidade. Em muitos casos, o visual profissional precisa ser calculado para evitar julgamentos estereotipados que questionam sua legitimidade.

No Brasil, a ONU Mulheres, por meio da iniciativa “Aliança Sem Estereótipos”, já destacou como a sub-representação de mulheres negras na publicidade e na mídia impacta diretamente a forma como suas imagens são percebidas nos espaços institucionais. A ausência de referências reforça a sensação de que elas estão “fora de lugar” — e, portanto, precisam se adequar a códigos visuais impostos por um determinado padrão já conhecido.

O que emerge desse cenário é uma discussão urgente sobre o que realmente significa estar “bem-vestida” no ambiente corporativo. Mais do que exigir uma performance visual, o desafio está em garantir que mulheres negras, periféricas, gordas, dissidentes tenham a liberdade de vestir o que quiserem sem ter sua competência questionada por isso. No fim, vestir-se com poder não deveria significar se enquadrar e sim se expandir. 

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Fonte: Steal the Look

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