A quantidade de pessoas com algum tipo de relacionamento com o Sistema Financeiro Nacional (SFN) superou o patamar de 200 milhões pela primeira vez em janeiro. Apesar disso, o trabalho de inclusão bancária no Brasil está longe de acabar. Especialistas e representantes de bancos e fintechs celebram as conquistas dos últimos anos, mas destacam os próximos passos: expandir a educação financeira e a oferta de produtos cada vez mais personalizados.
A estatística dos 200.160.523 CPFs, segundo dados do Banco Central (BC), considera pessoas com contas corrente, salário, pagamento pré-paga, poupança, investimentos ou ativos em instituições autorizadas a funcionar pela autoridade monetária. A métrica engloba menores de idade e pessoas mortas que ainda não tiveram seu processo de inventário concluído. Por isso, é um dado abrangente, que ultrapassa os que efetivamente usam o sistema.
Porém, o crescimento da chamada “bancarização” também é visto em outras estatísticas. Em 2022, último número disponibilizado pelo BC, a quantidade de adultos com relacionamento bancário era de 168 milhões. Em 2012, esse número era de 119 milhões. A métrica considera pessoas com CPFs regulares na Receita Federal que tenham entre 15 e cem anos.
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Sergio Biagini, sócio-líder para a indústria de serviços financeiros da Deloitte, aponta dois fatores que contribuíram para o aumento da bancarização e ambos aconteceram em 2020: a abertura de contas pela Caixa para o recebimento do Auxílio Emergencial e a criação do Pix.
Na apresentação de resultados do quarto trimestre de 2020, a Caixa informou que mais de 107 milhões de contas poupança foram abertas pelo aplicativo Caixa Tem. Segundo os dados do BC, o primeiro ano da pandemia foi o que teve o maior crescimento anual no número de relacionamentos com o SFN na série histórica iniciada em 2005. O número passou de 164,7 milhões no fim de 2019 para 178,8 milhões em 2020, um crescimento de 8,7%.
Biagini, da Deloitte, diz que o Auxílio Emergencial foi uma resposta ao problema causado pela pandemia, enquanto o Pix foi uma estratégia de produto, e os dois acabaram se completando. “[O Pix] é fácil de usar, ele é gratuito e é instantâneo. Além de você bancarizar, através do instrumento do Pix você conseguiu reter essa base”, afirma.
O Pix teve uma adesão rápida pela população desde o lançamento, em novembro de 2020. Um ano mais tarde, já contava com 107,5 milhões de pessoas físicas cadastradas e, em janeiro deste ano, o número chegava a 157,1 milhões.
Outro fator, não menos importante, é que a chegada das fintechs desafiou os bancos tradicionais a atender um público mais amplo, entrando em riscos que antes preferiam não correr — até porque tinham uma estrutura de custos que não permitia trabalhar com esses clientes de forma rentável. A digitalização barateou muito a bancarização. A expansão dos bancos digitais foi propiciada pela lei das instituições de pagamento, em 2013.
A popularização do comércio eletrônico também é apontada pelo BC como um vetor de inclusão financeira.
Com uma base já grande de brasileiros com pelo menos uma conta, a questão agora é como promover o uso adequado dos produtos e serviços financeiros por pessoas que por muitos anos não tiveram acesso ao sistema.
Myrian Lund, professora de MBAs da FGV e especialista em finanças pessoais, afirma que um mundo de possibilidades se abriu para quem se bancarizou e que a educação financeira deve vir junto.
“A gente deu o primeiro passo, que é a inclusão financeira. Agora falta o segundo passo, que é a conscientização dessas pessoas dos direitos que elas passam a ter, mas também o que podem fazer para realizar seus objetivos.”
O diretor-executivo de cidadania financeira e relações com o consumidor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Amaury Oliva, diz que, com a bancarização, as análises de risco ficaram mais complexas.
“Há algumas décadas, você tinha poucos perfis de clientes. Hoje ampliou bastante e, entre as nossas atribuições como bancos, está oferecer um produto ou serviço adequado a cada perfil, a cada necessidade do cliente”, diz.
Diego Perez, presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), afirma que o mercado precisa trabalhar no uso qualitativo dos serviços e produtos ofertados. “O desafio é ter uma cadeia de distribuição dos produtos financeiros de acordo com as necessidades de cada camada, de cada grupo, e tentar alcançar aquela hiperpersonalização”, diz, destacando o papel do open finance (sistema financeiro aberto) nessa evolução.
Lançado em 2021, o open finance vem se expandindo gradualmente. O número de consentimentos ativos para transmissão de dados passou de 43,1 milhões no fim de janeiro de 2024 para 62,2 milhões em 17 de janeiro deste ano, segundo dados do open finance Brasil.
Eduardo Lopes, presidente da Zetta, entidade que reúne nomes como Nubank e PicPay, destaca que a educação financeira é importante e aparece não apenas na informação prestada ao cliente, mas também em como os produtos podem estimular comportamentos mais responsáveis. “O open finance é uma agenda muito promissora para levar essa inclusão para um outro patamar, uma inclusão em sentido bem amplo, não só o acesso, mas um uso adequado e uma resiliência financeira das pessoas”, afirma.
O tema de inclusão e educação é parte da agenda do BC para o sistema financeiro há alguns anos e essas são duas das dimensões da Agenda BC#, de democratização financeira. Como parte dessa iniciativa, o BC e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram em 2023 uma resolução que determina que as instituições reguladas deveriam manter uma política de educação financeira e adotar medidas nesse sentido.
Além disso, o BC participa da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) e tem feito um esforço de comunicação nas redes sociais, com uma linguagem mais informal, para explicar o funcionamento do sistema financeiro e dos produtos. Em vídeos publicados nas redes, o BC trata de temas como golpes e fraudes e explica o funcionamento de ferramentas como o próprio Pix e o Drex, a moeda digital brasileira.
O trabalho é contínuo e há uma novidade prevista para a próxima semana: o lançamento do Pix por aproximação, na sexta-feira, que facilitará os pagamentos no comércio.
De acordo com o BC, as ações conduzidas pela autoridade monetária “têm o potencial de fomentar a continuidade do crescimento da inclusão financeira”.
Fonte: Valor