Os cosméticos são produtos comuns no dia a dia de milhares de mulheres e até meninas, que usam tanto produtos essenciais, como shampoos, condicionadores e sabonetes, quanto itens que são objeto de desejo, como as maquiagens e perfumes. No entanto, esses produtos podem estar sendo responsáveis pela puberdade precoce, que tem se tornado cada vez mais comum entre as crianças.
Segundo estudos recentes publicados pela Endocrine Society e por instituições de saúde europeias, os casos de puberdade precoce aumentaram significativamente durante a última década, especialmente após a pandemia de COVID‑19, possivelmente associados ao maior sedentarismo, estresse e exposição a telas e produtos químicos.
Para esclarecer o assunto, conversamos com a ginecologista Dra. Juliane Dal Magro, a dermatologista Dra. Vivian Simões e a médica especialista em Nutrologia Dra. Fabiana Terra.
Foto: Puberdade Precoce (Pinterest)
o que é a puberdade precoce em meninas?
De acordo com a Dra. Juliane, “a puberdade precoce é quando sinais de desenvolvimento puberal aparecem antes dos 8 anos de idade em meninas. Os sinais mais comuns incluem o crescimento das mamas, surgimento de pelos pubianos ou axilares, acne e até a menstruação precoce.”
Esse problema vai além da questão estética. “Quando isso acontece muito cedo, pode haver impacto no crescimento e na saúde emocional da criança, além de exigir investigação para descartar causas hormonais ou neurológicas.”
quais são os riscos para meninas?
Além de ter uma infância mais curta, já que passam por várias questões hormonais antes do tempo correto, também pode aumentar o risco de alguns problemas de saúde, como explica o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos: “a puberdade precoce pode levar a desafios sociais e a um risco aumentado de certos problemas de saúde mais tarde na vida, incluindo doenças cardíacas, diabetes e câncer de mama.”
puberdade precoce e cosméticos: qual é a relação?
Cosméticos comuns para os adultos possuem os chamados disruptores endócrinos, que são substâncias químicas capazes de interferir na ação dos hormônios do corpo, principalmente quando há exposições frequentes, prolongadas ou em momentos específicos do desenvolvimento. De acordo com a médica, nas crianças, eles podem simular hormônios naturais que ativam o eixo hormonal que leva à puberdade de forma precoce.
“Cada vez mais estudos apontam que a exposição a certos compostos químicos presentes em plásticos, alimentos industrializados e cosméticos, pode influenciar a puberdade precoce. Além disso, fatores como obesidade infantil e sedentarismo também contribuem”, diz a Dra. Juliane.
por que isso preocupa?
Com as redes sociais, as crianças têm tido contato cada vez mais cedo com cosméticos no geral, de maquiagem a produtos de skincare, que viralizam no TikTok e se tornam extremamente desejados pelo público mais jovem — mesmo quando eles ainda não são necessários e nem recomendados.
“Aqui na Clínica está cada vez mais comum meninas — às vezes com 5 ou 6 anos — apresentarem vermelhidão, coceira, descamação ou acne precoce após uso de cosméticos inadequados. Muitas vezes, esses sinais estão ligados ao uso de maquiagens adultas ou produtos infantis com excesso de fragrância e conservantes. Por isso, é fundamental orientar os pais sobre o uso consciente e supervisionado de cosméticos na infância”, conta a Dra. Vivian.
Para além de problemas na pele que podem ser causados por produtos que não foram pensados para a derme infantil, a puberdade precoce é mais uma questão preocupante, que pode trazer consequências para a vida toda.
Foto: Produtos de beleza (Pinterest)
o papel das redes sociais na cultura do skincare infantil
O acesso às redes sociais ampliou ainda mais os estímulos e desejos relacionados ao que são consideradas “coisas de adulto”. Se antes esse interesse surgia de forma pontual, influenciado pelo que a mãe ou a irmã mais velha usavam em casa, hoje as crianças e pré-adolescentes têm contato diário com milhares de produtos e tendências de beleza ao alcance de um clique. Isso gera uma ansiedade por “crescer rápido” e cria a sensação de que usar cosméticos, mesmo que desnecessários para a faixa etária, é uma forma de demonstrar maturidade e pertencer a um grupo.
Um exemplo desse fenômeno é o movimento conhecido como “Sephora Tweens”, que ganhou força nos Estados Unidos. Nele, crianças e pré-adolescentes frequentam lojas da Sephora e passam horas experimentando testers de maquiagens e skincare, reproduzindo tendências que viralizam no TikTok.
Além disso, o fácil acesso a esses produtos — seja em lojas físicas, online ou até mesmo em casa, quando os responsáveis não impõem limites claros — reforça a ideia de que o uso de cosméticos é natural e inofensivo para todas as idades. A falta de orientação pode fazer com que as crianças não reconheçam os possíveis riscos, tanto físicos (como irritações e alergias) quanto emocionais (como pressão estética precoce e insatisfação com a própria aparência).
Assim como bebidas alcoólicas ou outros itens voltados ao público adulto, produtos de skincare e maquiagem também exigem cuidados e são formulados para peles mais maduras. Por isso, a conversa sobre uso consciente e adequado é fundamental dentro de casa.
Leia também: Quão jovem é muito jovem para uma rotina de skincare?
maquiagem infantil é segura?
No geral, é preciso estar atenta mesmo aos cosméticos que são criados e divulgados para as crianças, como maquiagens, produtos de cabelo e de higiene pessoal. “Muitos cosméticos, inclusive os voltados para o público infantil, contêm substâncias com potencial efeito estrogênico ou antiandrogênico, como parabenos, ftalatos e fragrâncias sintéticas. Mesmo em pequenas doses, o uso repetido e constante pode influenciar o equilíbrio hormonal das crianças, especialmente durante as fases de desenvolvimento mais sensíveis.”, diz a Dra. Juliane.
como saber quais cosméticos são indicados?
A melhor forma de garantir que não haja uso indevido de cosméticos que podem prejudicar o desenvolvimento das crianças é, primeiro de tudo, usando apenas o que é realmente necessário e adequado para a idade. Além disso, ter um acompanhamento médico é indispensável para fazer escolhas conscientes e seguras.
“O ideal é priorizar o uso de produtos realmente necessários e que tenham fórmulas simples, sem corantes, fragrâncias fortes ou conservantes agressivos. E mais importante: avaliação médica com indicação adequada de produtos. A infância deve ser vivida com leveza, e os cuidados com o corpo devem vir acompanhados de educação e informação.” explica a ginecologista.
Foto: Produtos de beleza (Pinterest)
o que evitar
De acordo com a dermatologista Dra. Vivian Simões, alguns ingredientes potencialmente irritantes ou prejudiciais para as crianças incluem:
- Parabenos (metilparabeno, propilparabeno): conservantes que atuam como disruptores endócrinos
- Ftalatos: frequentemente usados em fragrâncias artificiais e associados a alterações hormonais
- Formol e liberadores de formol: comuns em shampoos e alisantes
- Lauril sulfato de sódio (SLS): presente em shampoos, pode ser irritante para a pele sensível.
- Fragrâncias e corantes artificiais: aumentam o risco de alergias e dermatites.
como escolher o cosmético adequado
No dia a dia, é ideal estar atento à composição. Algumas recomendações da Dra. Vivian são:
- Rótulos com a descrição: “livre de parabenos, ftalatos e fragrâncias artificiais”;
- Produtos com certificações dermatológicas, veganas ou hipoalergênicas;
- Consultar guias e apps como EWG Skin Deep ou o CosmEthics, que avaliam a segurança dos ingredientes.
além dos cosméticos: o que mais pode causar puberdade precoce?
Além dos cosméticos, é necessário estar atenta a outras questões que também fazem parte do problema, como:
- Alimentação ultraprocessada
- Embalagens plásticas com BPA (Bisfenol A)
- Agrotóxicos presentes nos alimentos
Segundo a médica especialista em Nutrologia, Dra. Fabiana Terra, “um dos motivos é que as embalagens plásticas e latas podem liberar substâncias químicas — como o Bisfenol A (BPA) e os Ftalatos — que imitam os hormônios do corpo e ‘enganam’ o sistema hormonal da criança. Isso pode estimular o amadurecimento precoce. Além disso, mesmo após o processamento industrial, esses alimentos ainda podem conter resíduos de agrotóxicos, como o pirimifós-metilílico — outro composto que pode interferir nos hormônios.”
como proteger as crianças?
- Priorize produtos seguros e realmente necessários
- Leia rótulos com olhar crítico — mesmo os infantis
- Incentive conversas sobre autoestima que não estejam baseadas na aparência
- Ensine desde cedo que autocuidado não é sinônimo de ter uma rotina de skincare elaborada
“É verdade que essas substâncias estão por toda parte — em brinquedos, cosméticos, embalagens, roupas e até na água. Por isso, o segredo é o equilíbrio. Não dá para viver em uma bolha, mas dá para fazer escolhas mais conscientes no dia a dia“, diz Dra. Fabiana.
check-list para escolher cosméticos seguros
- Sem parabenos
- Sem ftalatos
- Sem fragrâncias artificiais
- Sem corantes
- Fórmula hipoalergênica
- Uso indicado para idade
- Aprovação do dermatologista
Enquanto a indústria da beleza continua encantando as crianças, é fundamental que os adultos sejam filtros atentos e responsáveis. Escolher produtos com segurança, ter orientação médica e compreender que a infância não precisa ser apressada são formas de proteger não só a pele, mas o desenvolvimento saudável das meninas.
skincare infantil e autoestima
Por fim, além de uma questão de saúde, esse debate revela algo ainda maior: a construção da autoestima na infância. Quando uma criança aprende que precisa de uma rotina de skincare para ter uma pele “perfeita”, o que isso diz a ela sobre sua própria imagem e valor na sociedade?
Nós, adultos, levamos a vida inteira tentando desconstruir a pressão estética. Agora, essa cobrança tem começado cada vez mais cedo — e o que é mais preocupante: vem disfarçada de autocuidado, justamente numa fase que deveria ser sobre descobertas, brincadeiras e vivências que envolvem tudo, menos a busca por um ideal de perfeição.
Garantir uma infância leve e saudável também significa proteger as meninas dessa pressão precoce e ensiná-las que o verdadeiro autocuidado é, na verdade, reconhecer que as chamadas “imperfeições” fazem parte do que as torna únicas e especiais.
Queremos saber: como você lida com isso na sua casa? Você sente essa pressão do skincare precoce chegando?
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Fonte: Steal the Look
