A obsessão pela magreza que prevaleceu nas décadas de 1990 e 2000 deu lugar à compra compulsiva de produtos de beleza e rotinas de cuidados faciais das novas gerações O que é a cosmeticorexia? Embora seja importante ressaltar que este não é um diagnóstico clínico formal, o termo se popularizou no início de 2024, graças às redes sociais, especialmente o Instagram e o TikTok, que foram responsáveis pela viralização do conceito. “De acordo com o Google Trends, seu surgimento e uso são relativamente recentes (final de 2023). Desde então, vem atraindo cada vez mais atenção ao longo de 2024”, observa Mar Santamaria, chefe de assistência farmacêutica da PromoFarma by DocMorris.
No entanto, como nos assegura Ángela López Barreira, psicóloga da Consulta Despertares Retiro, esta palavra foi cunhada pela dermatologista espanhola María José Bañuls em 2018. “O fenômeno cresceu em um contexto onde as redes sociais e a cultura da imagem predominam”, confirma. “O termo ‘cosmeticorexia’ descreve uma obsessão precoce em imitar rotinas de cuidados faciais e uma compulsão por comprar produtos de beleza”, explica Rosana Plaza, psicóloga da Psicopartner. E ela acrescenta: “Alguns especialistas analisam esse fenômeno a partir de uma perspectiva de gênero, destacando como o conteúdo de beleza nas redes sociais é direcionado principalmente a meninas e mulheres, e o perigo que isso acarreta”.
A obsessão pela pele perfeita, a nova dieta
As novas gerações estão obcecadas pela pele perfeita devido a múltiplos fatores socioculturais. Alba Navalón, presidente do Comitê de Investigação em Sociologia da Saúde da Federação Espanhola de Sociologia (FES), explica: “A cultura visual e a ascensão das redes sociais impuseram padrões de beleza inatingíveis por meio do uso de filtros e edição de imagens, gerando uma pressão constante para uma aparência impecável. Além disso, a indústria da beleza transformou os cuidados com a pele em um capital social, associando-os ao sucesso, à juventude e à saúde. Neste contexto, a imagem pessoal é entendida como um projeto individual, onde o esforço e o investimento estético refletem disciplina e autocuidado”.
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Esse fenômeno, a cosmeticorexia, é comparável ao aumento das dietas e à obsessão pela magreza que se instalou na década de 1990, tendo a modelo Kate Moss como sua maior inspiração. Do minimalismo dos anos 90, a magreza transitou para o brilho dos anos 2000, liderada por Paris Hilton, e encerrou sua hegemonia com as curvas de Kim Kardashian em 2010. “Por um lado, promove-se a aceitação do corpo em todas as suas formas, mas, por outro, a indústria da beleza reforça a ideia de que a juventude continua a ser o ideal. Assim, o envelhecimento só é aceito se for apresentado de forma ‘controlada’, sem sinais visíveis como rugas ou manchas”, diz Navalón.
Uma batalha perdida: “Além disso, o mercado dos cosméticos conseguiu posicionar o envelhecimento como um problema tratável, oferecendo produtos e procedimentos para retardá-lo, o que pode nos levar a acreditar que o medo do envelhecimento está sendo alimentado, reforçando essa ideia através de diferentes influenciadores que promovem os produtos”, acrescenta o especialista.
“A pressão estética (e não apenas estética, mas também em relação a marcos e aspirações da vida) que prevalece nas mídias sociais corresponde efetivamente a uma imagem inatingível de perfeição e adere aos rígidos cânones estéticos que dominam hoje (cada época e área geográfica teve seus próprios cânones específicos). A narrativa predominante é a exibição de um corpo, pele e vida perfeitos. Isso favorece uma obsessão tanto pela aparência de filtros de beleza quanto pela imitação de histórias de vida extremamente idealizadas. Essas histórias estão muito distantes da vida real, que é imperfeita por definição e exige uma boa dose de tolerância à frustração para viver de forma plena e madura”, justifica Santamaria.
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Ansiedade devido ao excesso de informações
Há menos de uma década, ninguém sabia o que era ácido hialurônico. Hoje, a maioria das pessoas conhece os benefícios deste ingrediente ativo cosmético, tal como sabe o que é a niacinamida e a vitamina C. “O excesso de informação, ao invés de dar força, pode gerar ansiedade e pressão para seguir as últimas tendências, contribuindo para a insatisfação com a própria pele. A falta de orientações claras sobre como lidar com essas informações pode levar a decisões impulsivas e, em alguns casos, à cosmeticorexia”, explica López Barreira.
“A democratização do conhecimento dermatológico levou a uma sobrecarga de informação”, diz Navalón. E continua: “muitas pessoas combinam produtos sem discernimento, o que pode levar a efeitos adversos como irritação ou danos à barreira da pele, principalmente se feito em idade muito jovem”.
“Mais nem sempre é o melhor”, afirma Santamaria. “O importante é seguir uma rotina de cuidados da pele que seja realista, eficaz e, claro, adaptada às necessidades reais do indivíduo. É escandaloso utilizar ingredientes ativos com ação antirrugas e renovadora da pele em uma idade jovem. Estes ingredientes são concebidos e formulados para peles maduras com necessidades mais exigentes. Através da cosmética, podemos melhorar o conforto e o aspecto da nossa pele, para que nos sintamos bem nela e para que ela esteja bem cuidada e saudável. Mas não podemos alcançar o inatingível, nem retardar a passagem do tempo”.
De acordo com um especialista da PromoFarma by DocMorris, a pele jovem geralmente precisa apenas de três coisas: produtos suaves para higiene básica, hidratação e protetor solar. “Se houver um problema de pele como acne juvenil, o hidratante será feito com produtos apropriados que contenham ingredientes ativos reguladores de sebo. E, se a acne for mais grave, você deve sempre seguir as orientações dermatológicas adequadas. Mas não devemos ir para além da tríade mencionada”, argumenta ela.
Como identificar a cosmeticorexia
Identificar a cosmeticorexia envolve observar uma preocupação excessiva e constante com a aparência da pele, acompanhada de uma necessidade compulsiva de adquirir e usar produtos cosméticos. Rosana Plaza inclui outros sinais que podem ajudar no diagnóstico:
Dedicação excessiva de tempo e recursos financeiros aos cuidados com a pele;
Ansiedade ou desconforto significativo diante da percepção de imperfeições da pele;
Adesão rigorosa a múltiplas rotinas de beleza, muitas vezes influenciadas pelas mídias sociais;
Sentir-se dependente de produtos cosméticos para se sentir bem ou autoconfiante;
Ignorar os possíveis efeitos prejudiciais da acumulação de produtos na pele.
Como tratar a cosmeticorexia
Promover uma imagem corporal positiva e realista, trabalhando a aceitação da própria pele com suas características naturais;
Desenvolver habilidades de pensamento crítico para analisar informações e mensagens transmitidas pela mídia e influenciadores;
Promover uma relação saudável com as redes sociais, limitando a exposição a conteúdos que geram ansiedade ou insegurança;
Educar as crianças sobre os riscos de rotinas de beleza excessivas e da utilização de produtos que não são adequados para sua idade ou tipo de pele.
Em casos de obsessão ou ansiedade significativas, pode ser necessário procurar apoio psicológico profissional para abordar as causas subjacentes da preocupação.
“Estamos no início deste problema e ainda precisamos estudar a fundo o impacto real, que estimamos ser menos em termos de efeitos graves na saúde da pele (embora um pouco mais generalizado em termos de possíveis efeitos psicológicos)”, alerta Santamaria.
O especialista acrescenta: “As crianças e os jovens vivem nativamente com o conteúdo das mídias sociais, que é sua principal fonte de informação. Devemos incentivar uma leitura crítica das informações publicadas nas mídias sociais, especialmente aquelas relacionadas a questões de saúde, incluindo cuidados com a pele. Isso requer apoio ativo dos adultos aos jovens, para fomentar uma perspectiva crítica que lhes permita contrastar ou discutir o conteúdeo”, conclui Navalón.
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*Matéria originalmente publicada na Glamour Espanha e traduzida pela jornalista Maria Mesquita
Fonte: Glamour