O tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens da Presidência, afirmou que, após perder as eleições de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) passou a ser aconselhado por três grupos distintos. O mais radical, que defendia um golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), incluía a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
O conteúdo do depoimento de Cid, que ocorreu em 28 de agosto de 2023, foi publicado pelo colunista Elio Gaspari nos jornais “O Globo” e “Folha de S.Paulo” neste domingo (26). O Valor confirmou as informações.
O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a trama golpista foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro. Ao todo, 40 pessoas foram indiciadas, mas Michelle e Eduardo não estão na lista. Agora, o caso está nas mãos do procurador-geral da República, Paulo Gonet, a quem cabe apresentar a denúncia contra os envolvidos. A delação de Mauro Cid, no entanto, continua sob sigilo.
Na ocasião, o tenente-coronel afirmou que a ala dos radicais também era formada pelo ex-deputado Onyx Lorenzoni, que foi ministro de Bolsonaro; os senadores Jorge Seif (PL-SC) e Magno Malta (PL-ES); e o general Mario Fernandes, que está preso.
Esse grupo se dividia em dois. Os “menos radicais” queriam encontrar uma fraude nas urnas – algo que nunca conseguiram. Já o segundo grupo “era a favor de um braço armado”, para concretizar o plano de golpe de Estado. Esse grupo queria que Bolsonaro assinasse um decreto para continuar no Poder e acreditavam que, quando ele fizesse isso, “teria apoio do povo e dos CACs [Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador]”.
Segundo o depoimento, não se tratava de um grupo formalmente organizado, “eram pessoas que se encontravam com presidente, esporadicamente, com a intenção de exigir uma atuação mais contundente do então presidente”.
Os outros dois grupos eram mais “moderados”. O primeiro era “conservador, de linha bem política”, e aconselhava o então presidente a “mandar o povo para casa”, em referência aos acampamentos que se espalharam pelo país em frente a quartéis do Exército, e de se “colocar como um grande líder da oposição”. Esse grupo era formado por nomes como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), os então ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Bruno Bianco (Advocacia-Geral da União), e o brigadeiro Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica.
Já o terceiro grupo era formado por pessoas que, apesar de não concordarem com o caminho que o Brasil estava tomando, entendiam que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições. Para eles, “qualquer coisa em outro sentido seria um golpe armado”, que resultaria em “um regime militar por mais 20, 30 anos”. Esse grupo temia que a ala mais radical levasse Bolsonaro assinar uma “doideira”.
Faziam parte desse grupo o general Freire Gomes, que era comandante do Exército; o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira; e o chefe do Comando de Operações Terrestres, general Estevam Theóphilo.
Mauro Cid também afirmou que esse grupo de moderados sugeriu que Bolsonaro deveria sair do país e que o empresário Paulo Junqueira, que hospedou o ex-presidente nos Estados Unidos, teria financiado a viagem.
O documento que esse grupo temia que Bolsonaro assinasse ficou conhecido como “minuta do golpe”. Já neste primeiro depoimento, Mauro Cid contou que o texto do decreto foi elaborado com a ajuda do ex-assessor da Presidência Felipe Martins.
A primeira versão incluía prisões de ministros do STF) como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além “de outras autoridades que de alguma forma se opunham ideologicamente ao ex-presidente”.
O ex-ajudante de ordens afirmou ainda que Bolsonaro recebeu o documento, leu e alterou as ordens, mantendo apenas a prisão de Moraes e a realização de novas eleições devido à suposta fraude no pleito.
Segundo Mauro Cid, foi essa minuta que foi apresentada aos comandantes das três Forças Armadas, em uma reunião no Palácio da Alvorada. Na ocasião, apenas o então chefe da Marinha, Almir Garnier Santos, colocou as tropas à disposição de Bolsonaro.
Os comandantes do Exército e da Aeronáutica foram contra. Para Freire Gomes, “não cabia às Forças Armadas realizar o controle Constitucional”. Ele dizia que estavam “romantizando” o artigo 142 da Constituição, que trata do papel dos militares.
Em nota, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) lamentou o que chamou de “novos vazamentos seletivos” da delação de Mauro Cid e disse que ainda não teve acesso à íntegra da colaboração. “A defesa lamenta a ocorrência de novos vazamentos seletivos, sem que tenha acesso a todos os termos da delação. E não irá se manifestar enquanto não tiver acesso a todos os termos, o que não ocorreu”, disse o advogado Celso Vilardi.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/h/N/C8HOAMQ8m9AqemhxSnbA/103631417-comiss-c3-a3o-20parlamentar-20mista-20de-20inqu-c3-a9rito-20dos-20atos-20de-208-20de-20janeiro-20de-202023-20cpmi-20-208-20de-20j.jpg)
Fonte: Valor