Fazer entrevistas em outras empresas pode me prejudicar no meu trabalho atual? | Carreira no Divã

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“Trabalho numa empresa há cinco anos. Estou satisfeito com o meu emprego e não tenho intenção de sair, a não ser que apareça algo muito melhor. De vez em quando vejo algumas vagas interessantes no LinkedIn ou sou abordado por outras empresas e fico pensando se deveria dar uma chance. Caso surja uma oportunidade com salário e benefícios melhores, ou até um modelo de trabalho que me atraia mais, consideraria trocar de emprego. Mas tenho receio de o meu empregador ficar sabendo e eu me prejudicar. Devo fazer entrevistas em outras empresas mesmo sem querer sair imediatamente do meu emprego atual?”

Executivo de vendas, 36 anos

No meu dia a dia como recrutadora, vejo que a maioria das pessoas que se movimenta para uma nova oportunidade não estava ativamente procurando um novo emprego. Muitas nem tinham o currículo atualizado. Te conto isso porque é muito comum alguém está realizado no atual trabalho, sem pensar em sair, e surgir o convite para novo desafio que faz sentido por diversos aspectos. Pode ser algo mais alinhado ao plano de carreira, uma empresa com missão e valores mais atraentes ou um pacote de salários e benefícios mais competitivo. São fatores que levam os profissionais a pensarem: “por que não?”. E, quando vem a proposta de trabalho, a pessoa já se encantou com a oportunidade e decide migrar de empresa para essa nova posição.

Já vi casos em que o pacote salarial nem era tão superior. Muitas pessoas se sentem motivadas pela localização mais próxima da residência, por um formato de trabalho mais flexível ou por uma empresa que sempre admirou pela história, reputação da marca, qualidade dos produtos ou posicionamento com relação à sustentabilidade ou gestão de pessoas, por exemplo.

Sempre que sou questionada sobre esse tema, recomendo: demonstre abertura para avaliar uma nova oportunidade; permita-se, pelo menos, entender melhor a vaga, o escopo e o projeto. Digo isso porque, nesse posicionamento, já vi muitas pessoas se surpreenderem positivamente com a proposta e aceitarem o novo desafio. Pensando na jornada profissional e na importância de estabelecer e manter bons contatos, não é estratégico se fechar para esse tipo de conversa.

Entendo o seu receio de participar de um processo seletivo e ser descoberto, mas eu te garanto que a grande maioria das empresas mantém a confidencialidade sobre a lista de candidatos para uma vaga. No seu lugar, eu não teria esse receio. Agora, se você não pode confiar na empresa que está te chamando para participar da seleção, é melhor nem dar sequência à conversa. Não faz sentido trabalhar para essa companhia. Você, no entanto, também deve manter sigilo sobre os planos.

Colunista afirma que manter-se atento ao mercado é essencial, independentemente da situação profissional — Foto: Freepik
Colunista afirma que manter-se atento ao mercado é essencial, independentemente da situação profissional — Foto: Freepik

Em momentos como esse, por maior que seja a confiança em líderes, liderados ou pares que atuem na sua atual empresa, é um erro confidenciar que está participando de um processo seletivo. O mercado de trabalho é pequeno e as informações podem vazar. Caso as suas intenções se espalhem, aí sim são grandes as possibilidades de você se queimar na sua empresa atual, com riscos de ter a sua carreira prejudicada.

Muitas entrevistas dos processos seletivos têm acontecido de forma virtual. Isso facilita que você encaixe as conversas com o headhunter, recrutador ou potencial empregador na agenda, sem prejudicar a sua produtividade atual. Em caso de encontros presenciais, na medida do possível, negocie de marcar as entrevistas perto do seu horário de almoço ou nos extremos do horário comercial, ou seja, início e término do expediente. Esse é um cuidado a mais para garantir que você busque algo melhor para você, mantendo a qualidade de dedicação e dos resultados onde está. Você também pode deixar claro que deseja confidencialidade. Um profissional experiente vai respeitar esse pedido.

Outro ponto importante: hoje, a grande maioria das pessoas está no LinkedIn e a rede social mostra todas as suas atividades. É possível saber quais posts você curtiu e comentou. Por isso, é importante ter cautela nas interações que possam levantar suspeitas de que você está ativamente participando de processos seletivos. Caso comece a interagir demais com recrutadores e com posts de vagas, isso pode gerar especulação dentro da sua empresa.

Manter-se atento ao mercado é essencial, independentemente de sua situação profissional. O que parece ideal hoje pode não ser a melhor opção amanhã, seja por mudanças na empresa, no setor ou nos seus próprios interesses. Além disso, participar de entrevistas é um exercício importante para entender seu valor de mercado, fortalecer sua rede de contatos e explorar oportunidades que, à primeira vista, talvez não fossem óbvias.

Muitos profissionais ainda têm receio de serem vistos como “pouco leais” caso considerem outras propostas. No entanto, hoje, a lealdade não se mede pelo tempo de casa, mas pela qualidade do trabalho e das relações profissionais enquanto se está na empresa. Profissionais bem avaliados costumam ser abordados por recrutadores, e os gestores sabem disso. É natural que, em algum momento, você receba convites e avalie opções.

Para não errar na decisão, evite guiar a sua escolha apenas pelo quesito no salário. Avalie a reputação, o clima, os valores e a cultura da nova empresa, o quanto o setor é seguro e promissor, qual é o posicionamento da companhia na comparação com a concorrência. Pense se você se identifica com a razão da organização existir, com o produto ou serviço oferecido. Mapeie o escopo da função e o que é esperado do profissional que vai ocupar a vaga, no curto, médio e longo prazo. Busque saber qual é o perfil e a trajetória da liderança direta para entender se você trabalharia bem com essa pessoa. Também é útil avaliar a liderança acima do seu gestor, o formato de trabalho e a localização da companhia. Só então apegue-se à remuneração e aos benefícios.

É muito importante que você seja receptivo a uma abordagem do mercado com algum objetivo pessoal e/ou profissional em mente. Assim, você não desperdiça o seu tempo ou do recrutador. Porém, a participação em entrevistas não significa que você está decidido a sair. Se perceber que tem algum ponto da oportunidade que não faz sentido para você nesse momento, explique aos envolvidos no processo e decline da vaga com educação, deixando as portas abertas para o futuro. Você não precisa e não deve deixar que o processo avance até o final para sinalizar seu desinteresse. Participar do processo, no entanto, pode se mostrar como uma experiência valiosa de autoconhecimento e um termômetro do seu valor no mercado. Dessa forma, quando uma proposta realmente melhor aparecer, você estará preparado para avaliá-la com critérios mais claros.

Por fim, lembre-se: o poder de escolha está sempre nas suas mãos. O mercado valoriza profissionais que sabem equilibrar estabilidade e movimentação estratégica. Estar aberto a novas possibilidades não significa descompromisso com sua empresa atual, mas sim inteligência de carreira.

Boa sorte na sua jornada!

Isis Borge é headhunter, diretora executiva da Talenses e sócia do Talenses Group onde atua com recrutamento executivo e lidera a seleção no C-level para energia e indústria.

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Esta coluna se propõe a responder questões relativas à carreira e a situações vividas no mundo corporativo. Ela reflete a opinião dos consultores e não a do Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor

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