Inovação em prol da Sustentabilidade é chave para novas receitas e diferenciação | ESG

Inovar quando se tem poucos funcionários na folha de pagamento e alguns milhões de reais na linha de receita é uma coisa. Mas quando os funcionários passam de 10 mil e as vendas ultrapassam os dois dígitos de bilhões de reais, o desafio é imensamente maior. Uma das estratégias que grandes grupos está apostando é na relação com startups e empresas inovadoras. As maneiras de fazer esse contato variam, mas, em geral, é feito por programas de aceleração, apoio a hubs de inovação e fundos de corporate venture, que investem em ideias promissoras em troca de uma fatia da startup.

Em evento sobre inovação promovido pela fabricante de aço Gerdau em Porto Alegre, nesta terça-feira (08), a fabricante de aço Gerdau e a empresa de soluções para transporte e mobilidade Randoncorp, compartilharam sua experiência. O evento antecedeu o início do South Summit, evento de três dias que acontece na capital gaúcha e busca promover as discussões sobre futuro da tecnologia, da sociedade, do planeta e também o papel da inovação nessas transformações.

No caso da Gerdau, são cerca de 30 mil colaboradores no mundo e mais de R$ 67 bilhões de receitas líquidas. A Randoncorp, tem aproximadamente 16 mil colaboradores e, em 2024, obteve R$ 11,9 bilhões em receita, seu melhor resultado em 76 anos de história. Para se manterem atualizadas, as empresas entenderam que a aproximação com a inovação é fundamental.

Elder Rapachi, diretor executivo Gerdau Next, unidade da empresa responsável por desenvolver e incorporar inovação na empresa, conta que já são mais de 300 startups aceleradas nos programas e mais algumas no corporate venture, programa de compra de participação. “Todos os investimentos em novos negócios e venture capital, queremos ser minoritários, não donos das ideias, e sim parceiros. Não quer conduzir o negócio e sim ajudar”, diz.

Parte da estratégia de inovação da companhia está em buscar novas fontes de receitas, seja para buscar utilidades para o aço ou outros negócios que sejam relacionados e podem compor o portfólio de produtos. O investimento na empresa de construção civil modular com aço Brasil ao Cubo é um exemplo do primeiro caso. A criação da Gerdau Graphene, que produz o nanomaterial de carbono – o material mais fino do mundo – é exemplo de diversificação de carteira. Em 2024, a unidade anunciou o lançamento de uma dispersão de grafeno à base de água, que pode ser adicionada em pastas de cimento, argamassas e concretos, o primeiro produto que posicionou o grupo em uma nova linha de produtos à indústria.

“A gente investiu no grafeno ao buscar quem poderia disruptar o aço. Nos perguntamos: ‘O que tem de inovação mais profunda?”, comenta Rapachi. Por isso, o olhar para as deep techs, startups de tecnologia mais densa e não só softwares, é uma das apostas dos programas atualmente.

As teses principais de inovação aberta são construtechs, mobilidade e sustentabilidade. “Noventa porcento do que eu faço é para buscar ou eficiência de custo ou uma vantagem de cliente”, conta.

Rapachi explica ao Prática ESG que a meta é chegar a 20% da receita da Gerdau em 10 anos. Cinco anos já foram e a companhia responde por 3%. Ele admite que não é uma tarefa fácil dado o faturamento do grupo. A Next funciona também como um dos motores da sustentabilidade. É quem, por exemplo, gerencia a expansão da geração de energia fotovoltaica, que contribui para a meta de descarbonização, cria uma solução de novo material ou melhoria no processo produtivo que consome menos recursos e gera menos desperdício, e, com isso, impacta várias áreas. “A meta de descarbonização da Gerdau, por exemplo, é compartilhada por todas as divisões do negócio”, explica Rapachi.

Para ele, o relacionamento não deve, porém, se limitar às startups. A criação de ecossistemas de clientes e fornecedores pode ser poderoso, em sua opinião. “A gente tem que fomentar esses ecossistemas. Queremos fazer com parceiros, com fornecedores e clientes”, diz. Cita como exemplo a joint-venture com a Randon, a Addiante. Lançada em setembro de 2022 com investimentos iniciais de R$ 250 milhões, ela faz locação de veículos pesados a transportadoras e caminhoneiros autônomos, público que, em geral, dispõem de menos capital para compra direta.

“A Randoncorp era meu fornecedor, é meu cliente e agora é meu sócio. Existe uma oportunidade de a gente se aproximar com grandes empresas, formar esse tipo de aliança e gerar negócios que podem entregar algo diferente do que tem hoje”, diz o CEO da Randoncorp. A parceria com a Gerdau na sucata é um dos exemplos.

Anunciada este ano, a parceria consiste em direcionar a sucata metálica produzida pela Randoncorp para empresas parceiras para a unidade de produção de aços especiais da Gerdau em Charqueadas, no Rio Grande do Sul. Antes, o grupo de transporte vendia o material em leilões. Na usina, o material será reintroduzido no processo de produção de diversos tipos de aço, que, por sua vez, poderá ser vendido para a própria provedora da sucata, além de outras companhias.

A Randoncorp também aposta em inovação vinda de startups. São mais de 120 startups conectadas (investidas, contratadas, mentoradas, apoiadas, residentes) ao negócio, segundo Daniel Randon, CEO e diretor-executivo, que esteve no evento nesta terça. “São vários regimes. Em algumas startups, cerca de 30, nós investimos direta ou indiretamente via corporate venture capital”, conta.

Entre os exemplos de inovação que já foram incorporados na operação e portfólio de produtos está o Composs, composto feito a partir da combinação de materiais de diferentes naturezas químicas e diferentes propriedades, desenvolvido em parceria com a Iveco, fabricante de veículos pesados, caminhões, ônibus e utilitários leves.

O resultado é um novo material que pode substituir metais, como o aço e outras partes não estruturantes. “Em comparação ao aço, o material é 60% mais leve.” A vantagem está no impacto direto no consumo de combustível e na emissão de gases poluentes na atmosfera: mais leve, o veículo pode transportar mais carga, aumentando a competitividade do negócio.

“O eixo regenerativo elétrico é um exemplo de desenvolvimento com apoio de cinco startups. Elas ajudaram a acelerar um processo que demoraria cinco anos e que conseguimos desenvolver em apenas dois anos”, conta.

Outro exemplo é o e-Sys, tecnologia desenvolvida para recuperar energia gerada durante os movimentos de descida e frenagem de caminhões para, com o sistema auxilia, ajudar nos momentos de tração, como subidas e ultrapassagens. Dependendo da aplicação, das condições de carga e do caminho percorrido, o eixo regenerativo elétrico pode ajudar a economizar até 25% de combustível. Também desgaste menos os componentes, contribuindo para a redução da geração de resíduos e de emissões de gases de efeito estufa.

Questionado sobre como prioriza o investimento em inovação olhando para a sustentabilidade, Randon explica que o planejamento estratégico de cinco anos é o principal guia da visão de mais longo prazo da companhia e a redução de gases de efeito estufa, por exemplo, está entre as metas. A busca por novos materiais e eficiência operacional e o uso de recursos são outros objetivos.

“No final, a gente busca ter entre 2% a 3% da nossa receita de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento.” Em 2023, a empresa requereu 23 patentes. Em 2024, foram 70. Um exemplo é a produção e aplicação de nanotecnologia por sua empresa NIONE. Fruto de uma parceria entre a Empresas Randon e a Fras-le, marcas do grupo, a unidade lançou uma pré-mistura com nanopartículas de óxido de nióbio, que serve como base para aplicação em revestimentos protetivos. O benefício é que a adição desse produto ao revestimento possibilita ganhos em resistência à corrosão, durabilidade de cor e brilho, além de permitir secagem ultrarrápida, com ganhos no processo de aplicação.

O CEO da Randoncorp explica que a decisão de investir em sustentabilidade também parte de uma cobrança do mercado. Ele conta que alguns de seus clientes se interessaram pelas carretas com eixo regenerativo elétrico porque os clientes deles, grupos internacionais, já pedem que os fornecedores tragam produtos alinhados com a estratégia de descarbonização.

“A gente tem grandes clientes que, em muitos casos são globais e da América do Sul, já começam a demandar do seu transportador ou fretista um produto com pegada de carbono reduzida”, diz.

Lembra ainda que, em fevereiro de 2024, a empresa captou R$ 500 milhões do IFC, unidade de investimento corporativo do Banco Mundial, com condições ESG. “Se eu atingir algumas metas ESG estipuladas no contrato, consigo reduzir o custo do financiamento”, conta. Foram quase dois anos de avaliação, análise e elaboração da proposta para aprovarem a transação.

“Não devemos pensar em ecossistema de inovação, mas sim em biomas, porque existem muitos ecossistemas que interagem e dialogam entre si. Mas isso exige diálogo”, comenta Pedro Valerio, diretor executivo Instituto Caldeira. A organização almeja ser um dos principais hubs de inovação e negócios do país e atrair e reter talentos em Porto Alegre.

“Queremos ser os tradutores da linguagem da tecnologia, do mundo das startups, com o setor corporativo. O hub não é só para startups, queremos nos aproximar de toda e qualquer instituição que entende o valor da tecnologia e inovação como fator de competitividade pro futuro, é isso que temos buscado”, afirma no evento.

O Caldeira deve inaugurar até setembro deste ano um novo prédio, ao lado do seu atual, de 22 mil m², que ocupa um quarteirão inteiro. A região foi uma das mais atingidas da cidade pelas enchentes de maio do ano passado. Logo na entrada do edifício, uma placa mostra a altura em que a água chegou, 2,2 metros, destruindo muito do trabalho de reforma que vinha sendo feito desde 2020 e que já havia sido prejudicado pela pandemia.

“É o único hub de inovação do mundo que nasceu na pandemia e sobreviveu a uma enchente”, brinca. “Estão forçando nossa resiliência.”

A ideia do novo espaço, segundo Valerio, é servir como local de eventos e centro cultural. A capacitação técnica de pessoas para a necessidade de inovação é uma das principais apostas.

“Não existe ecossistema de inovação, cidade ou país que tenha espaço em termos de competitividade se não houver talento”, pontua. Ele cita que o Rio Grande do Sul enfrenta desafios regionais, como o fim do bônus demográfico e o saldo migratório. “Mais de 700 mil pessoas foram embora do estado”, lembra.

Para tratar da questão, o Instituto Caldeira conta com uma rede de 150 empresas parceiras de empregabilidade e promove uma capacitação on-line de seis meses para jovens que querem desenvolver ideias inovadoras. Os 200 que se destacam ganham uma imersão presencial na sede da organização sobre soft skills. “Queremos despertar a inquietação e descobrir novas tecnologias, além de imaginar todas as possibilidades que podem ser geradas a partir delas”, fala.

Sergio Finge, CEO Trashin, startup de soluções inovadoras e tecnológicas que presta serviço para empresas como Gerdau, Natura, Movida, Havaianas e O Boticário, na área de economia circular, reforça que a inovação é o caminho mais rápido para acelerar as mudanças.

“Inovação é trazer algo novo ou melhorar o processo com resultado”, diz. “O ambiente de inovação conecta quem tem possibilidade de trazer esse conhecimento para inovar mais rápido com quem precisa de soluções.”

Ele cita como exemplo a dificuldade de obter dados mensuráveis e ter rastreabilidade na cadeia de resíduos no Brasil, algo que a Trashin conseguiu resolver.

“Primeiro focamos em trazer rastreabilidade, depois vimos a dificuldade operacional e logística, e quais as tecnologias para cada resíduo”, conta. A especialização e a sede de resolver um problema – ou uma “dor” – na linguagem de startups, faz diferença.

Mônica Magalhães, especialista em inovação disruptiva, Fundadora da Disrupta, comenta no mesmo evento que um “há um gap [diferença] gigantesco entre implementar tecnologia nova e usar 100% da capacidade”, o que é hoje claro no caso da inteligência artificial, mas pode ser . De fato, muitos relacionamentos de empresas com startups acabam não seguindo adiante, ou, não é incomum encontrar casos de empresas que compraram startups e, ao incorporar, acabaram desmantelando a inovação.

A especialista também compartilha que um erro comum nas grandes empresas é se fecharem para fazer o desenvolvimento de inovação. “Muitas querem proteger suas informações, o que é justo e compreensível, mas, acabam dificultando a criação de inovação por sua equipe interna”, diz. Ela cita como exemplo a comparação entre um profissional que tem várias amarras e limitações internamente, seja por causa do compliance, jurídico ou até de infraestrutura, e outro, freelancer, que tem total liberdade. “Como colaborador vai produzir se tem barreiras. Já começa desigual de largada.”

Fonte: Valor

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