Os salões afro e espaços das trancistas se popularizaram muito na última década. Apesar de sempre terem existido, foi com esse movimento coletivo de transição capilar, impulsionado pela internet há alguns anos, que tanto a demanda quanto a oferta de lugares especializados em cabelos cacheados e crespos cresceram.
Com isso, mulheres negras, principalmente, passaram a trocar os salões tradicionais por espaços que ofereciam serviços que iam além do alisamento, corte e tintura. As trancistas se tornaram grandes aliadas tanto para o momento delicado da transição quanto para transformar o visual sem afetar a estrutura dos fios que aprendemos a amar.

Foto: Karen Merilyn (Reprodução/Instagram)
Eu fui uma dessas mulheres que passou pela transição. E encontrei nas tranças uma maneira de expressar quem eu sou, exercer a criatividade e complementar meu estilo. A partir daí, ir a um salão de trancista se tornou frequente e, para além da minha autoestima, esse espaço se tornou um lugar de muito afeto, onde eu ia não só para mudar o cabelo, mas também para me conectar com outras mulheres negras.
É verdade que quem, como eu, ama mudar, mal faz uma trança e já está procurando referências de outras. Mas já reparou que não ficamos ansiosas só para nos ver diferentes, mas também pelo processo de ser cuidada por alguém que entende quem somos?

Foto: Weiber beim Kammen (J.P. Fernandes)
As tranças são ancestrais. Elas representam muito além da estética e fazem parte da história do nosso povo, pois possuem símbolos culturais e identitários que surgiram há mais de cinco mil anos. Trançar o cabelo era — e ainda é — um momento coletivo e íntimo, geralmente entre mulheres, em que histórias, ensinamentos e tradições eram passados.
E é por isso que trançar o cabelo é algo tão significativo. É um momento de troca, de risada, de trabalho compartilhado. É quando conversamos sobre experiências em comum do que é ser uma mulher negra, quando pedimos opinião sobre coisas que só alguém que sabe, na pele, como é nossa vivência poderia entender.

Foto: Tranças (Pinterest)
Tradicionalmente, quando se pensa naqueles salões de beleza tradicionais, muitas mulheres associam à autoestima e renovação. No entanto, para mim, assim como para muitas mulheres negras, esses espaços estão marcados como “memórias de guerra”. Quem nunca se contorceu só de lembrar do cheiro da progressiva?
Em mim, eles são uma lembrança de uma época em que alisar o cabelo era quase uma obrigação, uma forma de violência silenciosa que minava meu amor-próprio e fazia com que eu achasse que precisava ser outra pessoa para ser bonita: ser mais branca, ter o cabelo mais liso, ficar mais magra.
Por conta disso, ir ao cabeleireiro fazer um corte ou pintar meus fios, algo que também faço com frequência, ainda desperta alguns sentimentos negativos. Me sinto deslocada, não sei como conversar direito e não são raras as vezes em que preciso ouvir comentários que desrespeitam minha existência de alguma forma — ainda que as pessoas nem percebam isso.

Foto: Karen Merilyn (Reprodução/Instagram)
Por isso, os salões afro se tornaram tão fundamentais. Em um mundo onde os espaços nos excluem, o espaço de uma trancista é o oposto: um lugar de acolhimento, de cuidado, de afeto.
Foi em um salão afro que experimentei, pela primeira vez, a sensação de ser fiel a uma trancista, de me sentir à vontade em um espaço de beleza, de ter alguém de fora que participa dos meus grandes momentos — afinal, sempre fazemos trança para eventos especiais.
É por isso que faço questão de divulgar e exaltar o trabalho não só da minha, mas de todas as trancistas. Entendo a importância da valorização desse trabalho tão meticuloso e demorado e celebro a regulamentação dessa profissão, que é tão importante de diversas maneiras.
O afeto cura, nos conectar com nossa história faz bem, e ter quem cuide do nosso cabelo com carinho, após tantas violências, é essencial para nossa autoestima e bem-estar.
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Fonte: Steal the Look