Passados quase 100 anos, a carta de Sigmund Freud (O porquê da guerra) escrita para Albert Einstein, em 1932, traz argumentos que precisam ser recuperados para a compreensão do zeitgeist atual. A teoria freudiana ganhou muita repercussão no que se refere à sexualidade, uma dimensão mais “sexy” (me perdoem a redundância) dos humanos, mas a agressividade parece ter sido esquecida. Não cabe aqui entrar na complexidade dos sentidos do prazer mas, nos humanos, tanto a sexualidade como a agressividade têm por objetivo o prazer. Aceitar essa premissa, especialmente no que se refere à agressividade, nem sempre é fácil.
A famosa cena do filme “2001: Uma odisseia no espaço” mostra o uso de um osso como ferramenta ou como arma e parece que foi assim que nos tornamos humanos. O uso de armas pede o desenvolvimento intelectual para matar o inimigo ou, sem chegar nesse limite, para mantê-lo com medo e subjugado. A superação da violência precisa de vínculos afetivos entre os membros de uma comunidade. Uma guerra futura, adverte Freud (em 1932), poderia eliminar não um, mas ambos os inimigos, dado o desenvolvimento das técnicas de destruição. Nada mais atual e preocupante quando a Europa se mobiliza para investir em armamentos e a China produz caças surpreendentes.
Se fosse possível resumir os argumentos desse autor, hoje quase esquecido, pode-se dizer que os homens fazem a guerra porque gostam, uma vez que a nossa “civilização” já foi suficientemente desenvolvida para, apesar das divergências, manter respeito pela vida do outro. Ideais são pretextos usados para justificar a destruição. Um pouco de conhecimento em biologia evolutiva também não faria mal a ninguém, já que a agressividade, ligada à presença de testosterona, permitiu a sobrevivência do “macho mais forte” e, ainda que esse tempo já tenha passado, parece conduzir a conduta de muitos.
Esse parece ser o “espírito” que guia nossos tempos: violência e destruição, a pulsão de morte, na linguagem freudiana, distopias, falta de esperança, solidão, ameaças de uma possível terceira guerra mundial. O que pode se contrapor a isso? O sentimento de comunidade, de afeto e amor entre as pessoas, e a identificação, aquilo que nos iguala, os sentimentos comuns entre os humanos, o sentido de comunidade.
Se é possível falar de confiança nas relações de trabalho é porque na base da confiança estão as relações de identificação com valores da empresa e dos colegas. O amor, ainda que não com esse nome, sustenta os vínculos, os laços entre as pessoas. O que une é o amor, o que separa é ódio. Por isso, Star Wars está sempre presente na luta do bem contra o mal. Presente também em muitas tradições religiosas.
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É nesse momento que considero indispensável recuperar bell hooks, em “Tudo sobre o amor”, ainda que no espírito desse tempo, falar em amor possa parecer ingênuo. Há ainda quem considere feminismo como uma palavra feia, que trata da disputa entre homens e mulheres. O feminismo amoroso de bell hooks mostra não só o amor do romance, mas o amor como cura e o que significa “viver segundo uma ética amorosa”.
Claro que o amor está presente na espiritualidade de muitas religiões, mas bell hooks trata do amor como política para uma nova organização social, para uma nova forma de viver. Contra uma cultura que banalizou as injustiças sociais e que omitiu o amor como um valor que traz saúde física e mental, hooks propõe falar de amor em suas múltiplas dimensões, como uma ação que transforma a sociedade.
Sempre são os homens que escrevem sobre o amor, diz Hook, e quando uma mulher fala de amor, ela é rondada por alguma suspeita. Mas no dia a dia, pouco se fala e pouco se age com base no amor. A proposta de hooks: é preciso pensar no amor com esperança. Talvez por isso, muitos programas de liderança que apontam a obsolescência do modelo de comando e controle e a necessidade de uma liderança que se importa com as pessoas.
Numa perspectiva freudiana, que o amor vença a agressividade, que o valor venha daquilo que une e não daquilo que separa. Parece utópico, mas como viver sem sonhos? No meio de várias pichações no muro de um cemitério, eu li: O amor (r)existe!.
Maria José Tonelli é doutora em psicologia social, professora titular do departamento de administração geral e recursos humanos na FGV –EAESP, especialista em diversidade e desenvolvimento de lideranças.
Fonte: Valor