Karl Lagerfeld ficou impressionantes 35 anos na Chanel e 54 anos na Fendi. Alessandro Michele passou 20 anos na Gucci, sendo sete deles no cargo principal. Porém, parece que a era dos diretores criativos de longo prazo ficou para trás. Da passagem relâmpago de Ludovic de Saint Sernin na Ann Demeulemeester, que durou apenas uma temporada, à de Sabato De Sarno, que não chegou a completar dois anos na Gucci, o entra e sai se tornou cada vez mais incessante. Se você já desistiu de acompanhar a dança das cadeiras de diretores criativos das marcas nos últimos tempos, a gente entende. Mas, afinal, o que está por trás desse troca-troca?
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Foto: Sabato de Sarno (Federico Ciamei)
O cenário socioeconômico global, as preocupações climáticas e a instabilidade política geram insegurança no consumidor e hesitação na hora de gastar com luxo. As grandes marcas sabem que, para garantir vendas, precisam ter uma identidade bem estabelecida e gerar desejo suficiente para sobrepor esse contexto. A forma mais óbvia e rápida de renovar o interesse por uma grife? Substituir o diretor criativo.
A popularização das plataformas de revenda e outlets, o interesse por vintage e a ascensão dos dupes fazem com que o conceito de value for money ganhe ainda mais importância. O desafio de convencer o consumidor de que um item novo vale o investimento é imenso. Por isso, as marcas precisam se diferenciar não apenas pelos produtos, mas também por experiências, storytelling e estratégias de marketing. A Miu Miu é campeã nesse quesito, exibindo uma capacidade invejável de entender seu cliente e fugir do óbvio, apostando em projetos audiovisuais como a série de curtas Women’s Tales e pop-ups temáticas alinhadas ao seu DNA. Outras estratégias comuns, mas eficientes, incluem celebridades embaixadoras para atrair o público-alvo, collabs com nichos diferentes para expandir o alcance, experiências de compras refinadas na loja física e até produção de filmes, como a Saint Laurent vem fazendo — você sabia que a YSL é uma das produtoras do polemico longa Emilia Perez?
O diretor criativo precisa entender o zeitgeist, ter tino comercial e um ponto de vista que destaque a marca sem perder sua essência. O crescimento das redes sociais e do fast fashion transformou a forma como as marcas interagem com os consumidores. Hoje, para assumir o comando de uma grande maison, é preciso ser mais do que designer: o papel exige um profissional multifacetado, que seja estrategista de marketing, visionário digital e, claro, criador de desejo.
E ainda existem outros fatores: A Gucci, por exemplo, é a principal fonte de receita do grupo Kering, representando mais da metade do faturamento. E, como empresa de capital aberto, com acionistas que esperam resultados financeiros consistentes, a performance da Gucci e de seu diretor criativo vai muito além da moda, tornando a decisão sobre quem será o próximo nome a assumir o comando da grife, um assunto de suma importância.

Foto: Matthieu Blazy (Carmine Romano/The New York Times)
Na contramão da indústria, a Chanel parece ainda primar por uma estratégia de longo prazo. O falecimento de Karl Lagerfeld gerou um desafio imensurável: como substituir a visão do alemão, que havia se tornado sinônimo da maison ao longo de mais de três décadas no comando? A solução foi uma transição gradual, mantendo a visão do estilista ao promover seu braço direito, Virginie Viard, enquanto estudava um plano de sucessão. Após quase cinco anos, Viard deixou a marca em junho de 2024 e, seis meses depois, em dezembro, a gigante de luxo finalmente anunciou Matthieu Blazy como seu novo diretor criativo, assumindo o cargo mais cobiçado do mundo da moda.
Blazy impressionou quando assumiu a difícil tarefa de substituir Daniel Lee na Bottega Veneta, conseguindo elevar ainda mais a tradicional casa italiana através de sua sintonia com o mundo das artes e da arquitetura, além de um foco especial no artesanal, expertise da Bottega. A expectativa é que ele faça ainda melhor na Chanel, que é dona de diversos ateliers especializados, de bordados a chapelaria e cashmere. Seu debut, especialmente na alta-costura, já está gerando enorme empolgação, com o mundo ansioso para descobrir o que ele será capaz de criar com toda a mão de obra altamente especializada da maison a seu dispor.
Um diretor criativo dita a visão e o mood da marca, mas além de construir e cultivar universos, é essencial criar produtos que despertem desejo. A estratégia comercial é tão importante quanto o talento artístico. Esse equilíbrio entre criatividade e vendas é o que tem tornado a rotatividade de diretores cada vez mais frequente.

Foto: Maria Grazia Chiuri (Sarah Blais)
As últimas notícias mostram que essa dança das cadeiras ainda está longe do fim: A Jil Sander acaba de anunciar a saída do casal Lucie e Luke Meier, adicionando mais um nome de peso à lista de marcas atualmente sem direção criativa, ao lado de Fendi e Gucci, sem contar as especulações sobre as iminentes saídas de Jonathan Anderson da Loewe e Maria Grazia Chiuri da Dior.
Se, no passado, diretores criativos tinham tempo para desenvolver um trabalho consistente e deixar uma marca na história da moda, hoje, o que conta é o impacto imediato — seja nos números de venda, no engajamento digital ou no hype gerado por uma nova visão criativa. O ciclo acelerado corre o risco de comprometer a identidade das marcas, além de esgotar talentos. Se, por um lado, a renovação constante mantém o interesse do público e impulsiona o faturamento, por outro, pode gerar uma desconexão, deixando o consumidor confuso e impedindo que designers tenham tempo suficiente para desenvolver e consolidar suas visões. No fim, quem perde é a moda.
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Fonte: Steal the Look