Após uma série de trocas sem precedentes no comando das maiores maisons do mundo, em uma dança das cadeiras inédita, finalmente todos os postos foram preenchidos e uma coisa é impossível de ignorar: a ausência de mulheres na direção criativa, ou seja, no topo.
Nas últimas semanas, a Dior confirmou a já esperada saída de Maria Grazia Chiuri — primeira mulher a ocupar a direção criativa da maison — e a chegada de Jonathan Anderson, que se torna o primeiro estilista da história da marca a comandar simultaneamente as linhas masculina, feminina e de alta-costura. Em 2023, foi a vez da Chanel anunciar a saída de Virginie Viard, primeira mulher a liderar a casa desde sua fundadora Gabrielle “Coco” Chanel, agora substituída por Matthieu Blazy.
Sobraram críticas à estética e à falta de frescor criativo durante as gestões, mas os números contam outra história: Chiuri e Viard foram responsáveis por gerar receitas extraordinárias no desafiador momento pós-pandemia. E se ficaram devendo o fator cool, dá para argumentar que a dupla tinha a capacidade de entender sua consumidora e atender suas demandas, mesmo que não agradassem à turma especializada ou ‘tivessem o hype’.
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Foto: Maria Grazia Chiuri (Reprodução/Getty Images)
É um questionamento que me atinge também em nível pessoal. Nunca fui fã dos designs de Chiuri na Dior. E claro, gosto é subjetivo. Mas, em retrospecto, percebo que as críticas — minhas, das redes, de ciclos ao redor — foram desproporcionalmente duras. Quando comparo à forma como estilistas homens que também não me agradam são tratados, a diferença salta. Por que cobramos mais de mulheres? Por que elas precisam ser brilhantes, irresistíveis e impecáveis o tempo todo, enquanto outros exemplos masculinos ficam por anos e anos sem sofrer tamanho escrutínio?
Nos maiores grupos de luxo, a situação é desanimadora. Atualmente, apenas algumas maisons contam com mulheres no comando: Sarah Burton na Givenchy (cujo début recebeu críticas mais duras que as de colegas), Veronica Leoni na Calvin Klein (marca que perdeu prestígio após a saída de Raf Simons e agora tenta reconquistar sua relevância fashion), Chemena Kamali na Chloé, Louise Trotter na Bottega Veneta. Miuccia Prada continua sozinha na Miu Miu e divide a Prada com Raf Simons. Ainda há Nadège Vanhee-Cybulski na Hermès, Stella McCartney em sua label, e, fora dos grandes conglomerados, nomes fortes como as irmãs Olsen na The Row e Phoebe Philo com sua marca homônima e aporte minoritário do grupo LVMH.

Foto: Miuccia Prada (Reprodução/Getty Images)
De acordo com levantamento da Vogue Business, entre 35 marcas analisadas — as 30 mais relevantes do setor segundo o Vogue Business Index, além de cinco novas nomeações — apenas 10 têm mulheres no cargo máximo de direção criativa. Apenas uma delas é uma mulher não branca. Os homens brancos seguem dominando a linha de frente e, por consequência, os bastidores.
O problema é sistêmico. A maior parte dos executivos de alto escalão que tomam essas decisões são homens brancos e, como é comum em estruturas de poder, escolhem os seus semelhantes. Diante de um mercado instável, o discurso do “não é hora de arriscar” serve como cortina para manter o status quo. Mas uma hora esse ciclo precisa ser quebrado. Afinal, a maior parte das consumidoras ainda é composta por mulheres. E embora não se trate de defender um essencialismo de gênero, é inegável que uma maior diversidade de olhares traria uma expansão estética, simbólica e emocional importante para o setor.

Foto: Matthieu Blazy (Reprodução/Getty Images)
A década passada foi marcada pela ascensão do streetwear e pelo espaço aberto a figuras que se tornaram superstars como Virgil Abloh e Demna. Já no início dos anos 2020, vimos o surgimento de nomes jovens como Ludovic de Saint Sernin na Ann Demeulemeester ou a dupla da GmbH na Trussardi. Todos eles vinham de estruturas pequenas, com marcas próprias autorais, e enfrentaram o desafio de adaptar sua visão a um universo corporativo brutal, com demandas de escala e performance imediata. Nenhum deles durou mais que uma temporada. O sistema não oferece tempo nem suporte para que aprendam. A paciência é reservada apenas aos nomes que já chegam prontos, e esses, por padrão, são sempre os mesmos.
Em seguida, veio a era das promoções internas. A tentativa de repetir o “efeito Alessandro Michele” gerou apostas como Matthieu Blazy, Sabato de Sarno e Peter Hawkings. Todos saídos de dentro da própria estrutura. Todos homens. A moda historicamente paga mal nos níveis iniciais e exige anos de investimento emocional e financeiro antes de oferecer retorno. Só permanece quem pode. E esse funil, por si só, já garante a falta de diversidade de gênero, raça e perspectivas dissidentes. É um problema de base. Então, quando o topo se abre, a repetição é inevitável.

Foto: Pelagia Kolotouros (Reprodução/Getty Images)
A tendência agora é jogar seguro. Marcas buscam estabilidade em nomes que já provaram valor em outros tempos: Pierpaolo Piccioli na Balenciaga, Demna na Gucci, Alessandro Michele na Valentino. A estratégia é clara: conter as perdas, recuperar lucros, reagir ao esfriamento do mercado de luxo. Mas sem diversidade real, sem risco, sem novos vocabulários, tudo parece mais do mesmo. Os preços sobem, as taxas e as guerras pesam, e o desejo vai se esvaindo. Segundo pesquisa da Vogue Business, 37% dos consumidores globais compraram menos produtos de luxo em 2024 do que no ano anterior. E esse número só cresce.
Não seria justamente esse o momento ideal para mudar o jogo?
A resposta pode estar fora do eixo tradicional. Marcas contemporâneas lideradas por mulheres, como Khaite e Dôen, crescem ano após ano. Nomes como Martine Rose, Grace Wales Bonner, Simone Rocha e Sandy Liang mostram consistência criativa e força cultural. Mulheres vêm entregando moda relevante, desejo real e performance comercial, mesmo sem os holofotes e o capital das maisons centenárias. Daqui, a gente torce para que o cenário evolua com os tempos e não só reflita a realidade, mas a enriqueça com visões distintas.
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Fonte: Steal the Look