A China anunciou nesta terça-feria (04) tarifas de até 15% sobre produtos agrícolas dos EUA e proibiu o comércio com algumas empresas de defesa, depois que o presidente Donald Trump dobrou a tarifa geral sobre todas as exportações chinesas. As medidas de Pequim atingiram produtos que a nação asiática pode obter de outros países, protegendo a economia nacional do impacto negativo.
A resposta chinesa devolve a pressão para os EUA, com a revisão de Trump sobre o cumprimento de Pequim do primeiro acordo comercial, prevista para abril, aumentando a urgência pela negociação. Embora Trump tenha sinalizado o desejo de conversar com o presidente chinês, Xi Jinping, no mês passado, os dois ainda não se falaram por telefone desde que o líder dos EUA assumiu o cargo.
“Até agora, a China deu uma resposta comedida e proporcional, pois não quer agravar ainda mais a situação”, diz Henry Gao, professor de Direito da Singapore Management University, que pesquisa as políticas comerciais chinesas. “Quando as medidas de abril forem divulgadas, a China provavelmente começará a negociar com os EUA.”
As tarifas chinesas entram em vigor em 10 de março.
“As tarifas direcionadas aos agricultores americanos podem ter a intenção de inclinar o público americano contra uma guerra comercial que o presidente Trump está travando, fazendo com que isso seja sentido no bolso… A resposta relativamente modesta da China às novas tarifas dos EUA aponta para uma tentativa contínua de levar os EUA à mesa de negociações”, disseram Chang Shu e David Qu, da Bloomberg Economics.
“Acredito que as duas medidas de reação mais importantes ainda estão por vir: a resposta cambial do banco central chinês e o pacote fiscal a ser anunciado no Congresso Nacional do Povo”, disse Christopher Beddor, vice-diretor de pesquisas sobre a China da Gravekal Dragonomics em Hong Kong. “Estamos nos aproximando de um momento crucial, quando as autoridades revelarão a agressividade com que estão dispostas a usar estímulos fiscais e monetários para compensar o impacto do aumento das tarifas dos EUA.”
A China reagiu às novas tarifas de Trump com uma mistura de tarifas e outras medidas, recorrendo a um conjunto de ferramentas que foi ampliado depois da primeira guerra comercial. Pequim cobrará uma tarifa de 15% sobre alimentos e produtos agrícolas dos EUA, como frango e algodão, enquanto soja, carne bovina e frutas estão entre os produtos que terão uma tarifa de 10%, segundo anúncio feito pelo Ministério das Finanças.
As tarifas chinesas afetam algumas as exportações agrícolas mais importantes dos EUA para a China e surgem justamente quando os agricultores americanos estão a semanas de iniciar o plantio para a próxima safra.
Entre os produtos americanos atingidos, a soja se destaca como um grande produto de exportação para a China, com quase metade de todas as remessas dos EUA indo para a China em 2024. Os contratos futuros de soja caíram cerca de 0,6% em Chicago ontem.
O Ministério do Comércio da China disse que adicionará dez empresas americanas, que estão envolvidas principalmente na área de defesa, à “lista de entidades não confiáveis”. Ele também colocou 15 companhias, incluindo a General Dynamics Land Systems e Skydio, da área de defesa e que trabalham sob contrato, em uma lista de controle de exportações.
A maioria das empresas não vende muito para os mercados chineses, mas as restrições tornarão mais difícil para elas comprar peças ou produtos feitos na China e que são fundamentais na produção de bens como drones. Algumas dessas empresas já foram atingidas por sanções chinesas.
A China também proibiu a importação das máquinas de sequenciamento genético da Ilumina. O país a adicionou pela primeira vez à lista de entidades não confiáveis em fevereiro, juntamente com a PVH Corp, controladora da Calvin Klein.
O governo chinês reagiu horas depois que Trump assinou uma ordem executiva dobrando a tarifa, dizendo que a China tem feito muito pouco para impedir o fluxo de fentanil ilícito para os EUA. Mais tarde, Pequim divulgou um relatório oficial afirmando que controla rigorosamente a produção e exportação da droga e de seus precursores.
Até agora, as contramedidas da China, incluindo sua resposta à tarifa anterior de 10% anunciada em fevereiro, foram bem mais limitadas do que durante a primeira guerra comercial em 2018 e 2019.
Na época, Pequim impôs tarifas pesadas sobre os principais produtos agrícolas dos EUA, levando as vendas de soja dos EUA para a China a caírem quase 80% em dois anos, com o Brasil assumindo grande parte desse comércio. O banco central chinês também permitiu que o yuan se desvalorizasse 11,5% naquele período, ajudando a compensar parte do impacto das tarifas dos EUA na época, alimentando ao mesmo tempo reclamações de manipulação cambial.
As ações dos dois países poderão não ser os últimos golpes ao comércio global, com os EUA dizendo que vão impor tarifas sobre todas as importações de metais na semana que vem e adotar novas medidas em abril para reduzir seu déficit comercial.
“As medidas são relativamente comedidas por enquanto”, disse Lynn Song, economista-chefe do ING Bank para a Grande China. “Acho que essa retaliação mostra que a China continua paciente e se absteve de ‘virar a mesa’, por assim dizer, apesar da escalada recente.”
Os mercados financeiros reagiram com relativa tranquilidade — com as ações chinesas chegando até mesmo a subir ao longo desta terça-feira (04). Nos dias que antecederam o prazo, porém, as ações dos EUA tiveram a maior queda do ano, os rendimentos dos títulos do Tesouro americano recuaram para o menor nível em quatro meses e o preço do petróleo caiu para o menor nível em três meses. O yuan chinês manteve-se estável.
As novas medidas comerciais foram anunciadas um dia antes de Xi participar da maior reunião política do governo neste ano, onde seus principais assessores apresentarão o plano econômico para 2025. As autoridades deverão adotar medidas para estimular o consumo interno e compensar as perdas previstas nas exportações, que responderam por quase um terço do crescimento da China em 2024.
Fonte: Valor