Riscos de apagão no país ganham força no longo prazo | Brasil

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) identificou riscos de sobrecarga na rede em horizonte de longo prazo, tendo em vista aumento de quase 50% na oferta da geração distribuída nos próximos cinco anos, de 33,4 gigawatts (GW) em 2024 para 49,5 GW em 2029. Diante desse cenário, “players” do setor elétrico, bem como o próprio operador, elaboram estratégias para coibir possíveis blecautes nos próximos anos.

Em horizonte de curto prazo, o suprimento de energia elétrica do Brasil está assegurado e não há riscos de blecautes ou racionamento por falta de geração, disse o ONS. Tampouco há riscos sistêmicos na entrega da eletricidade, completou o operador. No entanto, o mesmo não se pode dizer do cenário para período mais alongado.

O diretor-geral do ONS, Marcio Rea, e os diretores do ONS, Alexandre Zucaratto e Christiano Vieira, responsáveis, respectivamente, pelo planejamento e operação do sistema, explicam que os apagões que eventualmente ocorreriam com a sobrecarga, seriam localizados — e não sistêmicos, de grande porte. É como, segundo eles, ao ligar dois ou três chuveiros elétricos ao mesmo tempo, um disjuntor fosse desarmado sem desligar a casa inteira.

No Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do Sistema Interligado Nacional (PAR/PEL) para o período 2025-2029, veiculado neste mês pelo ONS, o órgão informou que o crescimento da geração distribuída “impõe desafios consideráveis à operação do sistema”. Divulgado anualmente, o plano propõe medidas e investimentos para reduzir ou eliminar riscos para o sistema, no horizonte de cinco anos.

A geração distribuída é uma modalidade segundo a qual usinas de menor porte, com até 5 megawatts (MW) de potência, se conectam diretamente às redes de distribuição, o que evita maiores custos com construção de novas linhas de transmissão.

No entanto, ao contrário das linhas de transmissão, redes de distribuição não são controladas pelo ONS. A maior parte dessas centrais é da fonte solar, muitas com até 75 quilowatts (kW), a chamada microgeração distribuída. Há ainda a minigeração, que são equipamentos com potência entre 75 kW e 5 MW instalados no local do consumo ou remotamente.

Consumidores que aderem à geração distribuída obtêm descontos na conta de luz. Quando a geração supera o consumo, a energia excedente é enviada das centrais para a rede e os usuários passam a desfrutar de créditos nas faturas seguintes. No jargão do setor elétrico, a injeção de energia para a rede é chamada de “fluxo reverso”.

O ONS identificou que, até 2029, quase 140 subestações de fronteira — que conectam redes de distribuição às linhas de transmissão — serão alvo do fluxo reverso, com riscos de sobrecarga “normal”, “admissível” ou “inadmissível”. A sobrecarga “normal” ocorre dentro dos limites técnicos dos transformadores. A sobrecarga “admissível” é a que acontece em níveis acima da capacidade dos equipamentos, mas dentro de uma margem de tolerância estabelecida pelos fabricantes. E a sobrecarga “inadmissível” é a que supera a margem de tolerância do equipamento. Essas subestações estão localizadas em 11 Estados.

Para frear a tendência de crescimento do risco de blecautes nos próximos anos, o ONS sugeriu no PAR/PEL, entre outras medidas, a criação da figura do operador de recursos energéticos distribuídos ou descentralizados (DSO, na sigla em inglês), que pode atuar na gestão da demanda de energia que não está sob alcance do ONS e na geração distribuída. Segundo apurou o Valor, o operador já iniciou conversas com autoridades do setor e contratou duas consultorias para auxiliar no desenho da interface entre os DSOs e o operador antes de propor oficialmente o tema.

A figura do DSO é nova mesmo em outros países onde novas tecnologias foram adotadas de forma mais massiva. No Reino Unido, por exemplo, existe uma empresa (Octopus Energy) que agrega pontos de consumo e de geração, prestando o serviço remunerado da gestão desses recursos na rede de distribuição.

No Brasil, a concretização da mudança do papel da distribuição ou a entrada de novos agentes, para exercer a atribuição, exigirá alterações regulatórias e legais e tarifárias que demandarão envolvimento de diversos atores da sociedade. O ponto foi levantado em dezembro, quando o ONS divulgou o PAR/PEL para período 2025-2029.

O diretor-geral do ONS pontuou ainda que, em seu entendimento, as distribuidoras seriam naturais candidatas à operação dessas novas centrais, conectadas às respectivas redes. “O ‘DSO’ seria um ente que opera recursos distribuídos no sentido amplo”, disse Rea.

Ele reiterou, também, que o PAR/PEL não apontou riscos imediatos de apagões no país. Porém, admitiu que, no documento, se antevê desafios, para próximos anos, no intuito de que o setor elétrico busque soluções.

Wagner Ferreira, advogado especialista no setor de energia e sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, ressaltou que a nova atribuição, caso seja aprovada, vai demandar investimentos que precisariam ser reconhecidos nas tarifas, o que pode onerar o consumidor. Ele lembrou que o cenário atual da geração distribuída, com possibilidade de crescimento exponencial nos próximos anos, já era claro há tempos.

Procurado para falar sobre o tema, Ricardo Brandão, diretor regulatório da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), concordou que o ‘DSO’ seria uma boa solução. “É uma tendência natural, no futuro”.

Por sua vez, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Prado, explicou que a instituição utilizou ferramentas para identificar os efeitos da micro e da minigeração distribuída sobre as redes. E, após realizar mapeamento desse cenário, propôs obras e investimentos para o Ministério de Minas e Energia (MME) e o ONS para tentar diminuir os riscos de sobrecarga.

O PAR/PEL projetou a necessidade de realização de R$ 7,6 bilhões em investimentos em novas linhas de transmissão e novos transformadores.

Para Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o quadro atual, de potencial aumento em oferta de geração distribuída, reflete as mudanças no setor elétrico, nos últimos anos. Ele comentou que o setor saiu de um modelo centralizado, de controle único, de geração e transmissão com operação centralizada, para um modelo descentralizado. E, na análise do executivo, “a expansão das renováveis é uma tendência e é positiva”. “A descentralização e o empoderamento dos consumidores vão exigir uma adaptação na forma de planejar, operar e regular o sistema elétrico”, disse Sauaia.

Fonte: Valor

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