Localizado na região norte de Curitiba, o bairro Santa Cândida, fundado em 1875, é um exemplo da transformação pela qual a capital paranaense passou ao longo das últimas décadas. Originalmente uma área rural, a localidade começou a se urbanizar nas últimas décadas e registra expressivo crescimento, ao ponto de ser o 14º bairro mais habitado da cidade, com 40.966 moradores conforme o Censo. Além disso, foi também o segundo bairro que mais cresceu entre 2010 e 2022, ganhando 8.158 habitantes.
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Mas uma das principais e também uma das primeiras vias da região, a Rua Theodoro Makiolka, preserva ainda alguns retratos da bucólica Curitiba de outrora. Em meio aos condomínios que se multiplicam por ali, ainda há muitas áreas verdes, chácaras e casas antigas. Esses lugares recordam um tempo em que a área era uma passagem do Caminho dos Tropeiros. E também um tempo não tão distante em que havia fluxo diário de carroças.
“Já estava morando aqui e lembro que passava carroça aqui. Era impressionante, passava gente de carroça aqui. Era a rua mais antiga aqui do bairro”, recorda Sebastião da Cruz, de 74 anos. Ele mora desde 1975 no bairro Santa Cândida, mas desde 1990 é que está na Theodoro Makiolka, numa propriedade onde hoje moram seus dois filhos e suas respectivas famílias.
O terreno, assim como tantos outros na região, lembra em muito uma chácara, com bastante verde em seus 12 mil metros quadrados. Mas quem passa pela rua com um pouco mais de atenção vê o espaço se destacar mesmo é por causa de uma espécie de rancho que fica nos fundos da propriedade. Uma estrutura que virou o símbolo de um dilema familiar e, talvez, também geracional.
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CAMINHO DOS TROPEIROS -
CAMINHO DOS TROPEIROS -
CAMINHO DOS TROPEIROS -
CAMINHO DOS TROPEIROS -
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CAMINHO DOS TROPEIROS
Uma propriedade repleta de histórias…
O terreno onde hoje vive a família de Sebastião foi adquirido pelos Cruz em 1990. Desde 1975, no entanto, Sebastião mora no Santa Cândida, tendo vivido por alguns anos numa chácara onde hoje é o Hotel Sonnet, antes de se mudar para a Theodoro Makiolka. Foi no bairro onde ele construiu sua família, tendo dois filhos.
Um desses filhos é Higor Felliny Cruz, que foi quem recebeu a equipe do Bem Paraná na tarde da última quinta-feira (10 de abril), contando um pouco sobre a história da propriedade e da própria rua.
“Essa aqui é a antiga estrada de Colombo. Uma pessoa ganhou essa área aqui e depois foi loteando e vendendo os terrenos. Quando a gente era pequeno, caminhava por dentro de tudo, porque os terrenos vizinhos também são chácaras. Mas era uma coisa mais nativa, porque era uma região que não tinha tanto movimento como tem hoje”, comenta Higor, que desde o nascimento, em 1980, mora na região.
Ainda segundo ele, o terreno da família chegou a ter uma passagem, um carreiro do Caminho dos Tropeiros. Por isso, inclusive, ali chegou a funcionar um estabelecimento chamado Pousada da Cotinha, onde o pessoal que viajava de longe, de carroça, parava para descansar e dar água pros cavalos antes de voltar a seguir viagem.
… e a história do chamativo rancho
O curioso rancho que fica na propriedade, entretanto, é uma estrutura mais recente. Mas não menos histórica ou simbólica, especialmente para aqueles que vivenciaram o espaço e/ou conhecem sua trajetória.
Ele foi construído já no começo dos anos 1990 por Sebastião, que fez o desenho da estrutura e mandou construir o espaço logo que adquiriu a propriedade. Sua inspiração era um moinho que seu pai e seu tio, Serapião e Sebastião da Cruz, haviam construído décadas antes em Mendeslância, no norte do Paraná.
“Meu pai ficou de infância com a imagem do moinho que ele tinha. E anos depois, já aqui, tentou fazer novamente o moinho antigo do pai dele”, explica Higor.
“Isso aqui foi a realização de um sonho para mim. Meu pai ficou dez anos para construir um barracão como esse, ele e o meu tio fizeram tudo manualmente. Eles fizeram lá no norte do Paraná, saíram de Santa Catarina e foram para lá. E fez um salão igual esse aqui, só que era tipo um descascador de mandioca, tinha pilão, e a comunidade levava suas coisas para lá. E eu construí imaginando isso, aquela coisa que eu vi aos seis anos de idade e lembro até hoje”, emenda seu Sebastião.
Inicialmente, o espaço foi alugado para algumas mulheres que moravam na Barreirinha e funcionou como um restaurante: o restaurante Renascer, nome em homenagem a uma telenovela. Meses depois, começou a ser alugado para festas e eventos.
“Aqui fizemos festas de aniversário, de casamento, festas infantis e até despedida de solteiro. A gente alugava como Chácara das Araucárias, e daí a pessoa passava o dia aqui. Tinha mesas, bancos, uma cozinha… Era bacana. Já teve muita festa, as festas familiares eram todas aqui, principalmente a confraternização de final de ano”, recorda Higor, que foi também quem fez a última festa no espaço. “Foi em 2009, e foi o meu casamento.”
Os últimos dias do rancho? “Vai começar logo o desmanche”
Apesar de toda a história que o rancho preserva, o espaço está prestes a ser desmontado. É que quando a construção foi feita, respeitou-se a distância legal de 5 metros para um rio que corre por dentro do terreno. A família, no entanto, não foi atrás de um alvará na época. E quando foi o fazer, as leis já tinham mudado, com a área de proteção às margens de rios e córregos sendo ampliada.
“A Prefeitura está com um processo pra demolição, porque passa um rio aqui atrás. É um processo antigo, que ainda está ativo. O recuo antigamente era de 5 metros, e meu pai fez a estrutura com uma roda d’água do lado, inclusive. Mas depois desses 5 metros passou para 15, depois para 30, e hoje, se não me engano, já exigem 50 metros de recuo. Então a prefeitura falou que essa construção não pode existir, por mais que seja uma construção histórica”, cita Higor.
Além dessa questão burocrática, que impede a obtenção de alvará e foi o que fez o espaço parar de ser alugado há mais de uma década, a família Cruz também reclama da depredação do patrimônio. “A gente não consegue controlar, né? Pessoas de rua entram, tem gente que entra achando que tem coisa de valor… Já roubaram até a finação. E se for fazer um investimento aqui, vai gastar uma grana só para não deixar cair. E qual o retorno que vai ter disso? A gente não consegue nem alvará…”
Sebastião, por sua vez, lamenta a situação, mas ainda resiste quanto à ideia da demolição.
“Eu até queria restaurar, mas eles não querem mais, os meus filhos. Eu até pensem em falar com o Eduardo Pimentel, que agora é prefeito, porque ele tem visão das coisas. E eu fico com pena. Acho que vou ficar doente quando sair isso daqui. Era uma ideia que eu tinha de criança, uma memória feliz… Eu construí isso daqui para homenagear o meu pai, mas, coitado, ele não chegou a ver isso daqui. Mas é uma coisa rústica e dá para recuperar.”
O problema é que ele não deve ter muito mais tempo para tentar qualquer coisa. “A gente está com um rapaz já contratado para desmanchar essa estrutura. Eles ficaram de vir semana passada, mas acabou não acontecendo. Provavelmente esse mês ainda ele venha, vai começar logo o desmanche”, finaliza Higor.
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Fonte:Bem Paraná