Samba resiste e faz história em Curitiba, que é um celeiro de grandes sambistas

O TAL DO QUINTAL
Susana Tanner; “O samba de Curitiba não fica atrás do samba carioca em termos de qualidade”

Você já ouviu falar que não existe samba em Curitiba? Se sim, essa ideia está prestes a ser desmistificada. Além de ser conhecida como a cidade do rock, a capital paranaense também possui uma cena forte e vibrante do samba. Então, por que muitos ainda dizem que Curitiba não tem samba?
O apagamento do samba na cidade está relacionado ao racismo, uma vez que o gênero tem suas raízes na cultura afro-brasileira. Embora Curitiba seja mais conhecida por outros estilos musicais, como o rock e o sertanejo, o samba nunca deixou de existir. Na verdade, ele tem se fortalecido cada vez mais.
Curitiba tem uma história de repressão ao samba. Um exemplo significativo foi a primeira escola de samba da cidade, a Colorado, que em 1947 precisou enfrentar a polícia para realizar seu desfile no Centro da cidade. A história é narrada no livro Colorado, de João Carlos Freitas.
“Os negros eram impedidos de passar da linha do trem, nas próximidades onde hoje é a rodoviária. A linha dividia o espaço de alegria, música e festa. Quando eles [os negros] passavam da linha do trem, os policiais os agrediam”, relata Freitas.
Fundada em 1946 na Vila Tassi, a Colorado deu início à história do samba em Curitiba e se destacou ao vencer o concurso de novos compositores no Morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, sendo reconhecida por figuras como Cartola e Clarice Brandão. Mesmo com poucos recursos, o talento de seus ritmistas era marcante, com uma batucada rápida que a diferenciava das escolas de samba do Rio de Janeiro. Essa característica fez com que a Colorado tivesse um som inconfundível, deixando um legado importante no cenário do samba.
A pesquisadora Juliana Barbosa destaca que o samba resistiu ao preconceito e à falta de investimentos. “O samba é uma cultura de resistência. Ele nasce a partir do povo negro, que tem sua identidade apagada com o processo de escravização, e começa a inventar uma nova identidade, com várias etnias dos países africanos. E o samba nasce como essa forma de resistência. Ele já tem na sua essência essa questão”, comenta.
Mas o samba não é apenas música. Como comenta a professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ele é uma cultura que une gerações. “Nas escolas de samba, você vê crianças, jovens e adultos, todos participando. Isso forma uma identidade coletiva, que é transmitida de geração em geração. É uma cultura que continua muito viva, mesmo que muitas vezes seja ocultada pela sociedade”, afirma.
O preconceito em relação ao samba, conforme destaca a pesquisadora Juliana, está profundamente ligado ao fato de o gênero ser uma manifestação cultural de origem negra e popular. Segundo ela, muitas cidades preferem associar sua imagem a outras formas de cultura, ocultando o samba. “Mas, ocultar não significa que ele morre”, enfatiza a professora.
Além disso, a pesquisadora ressalta o impacto econômico e cultural do samba e do carnaval, muitas vezes subestimado. As escolas de samba, além de movimentarem o comércio local, também promovem a integração social e contribuem para a segurança pública, ao ocuparem espaços de convivência nas comunidades. “Quando uma escola de samba ocupa uma praça para ensaiar, aquele local se torna mais seguro, pois as pessoas estão circulando, as luzes estão acesas”.

Pesquisadora achou 80 lugares de “samba”

O samba, apesar de muitas vezes invisibilizado, está mais fortalecido do que nunca em Curitiba. A pesquisadora Juliana Barbosa, que se mudou de Londrina para Curitiba, ficou surpresa ao descobrir a amplitude do samba na capital paranaense. Ao procurar por lugares que fazem referência à cultura, ela recebeu diversas indicações e compilou uma lista com mais de 80 locais dedicados ao gênero na capital paranaense.
Essa descoberta revela a força e a resistência da cultura do samba em Curitiba. Para Juliana, dois fatores explicam o crescimento do gênero na cidade: a qualidade dos músicos e os picos de popularidade que o samba e suas vertentes, como o pagode dos anos 90, alcançaram ao longo do tempo.
Esses momentos de ascensão do samba, aliados à paixão dos empreendedores pelo ritmo, impulsionaram a abertura de bares e restaurantes temáticos. Um exemplo de sucesso é o bar O Tal do Quintal, localizado no bairro São Francisco, um dos espaços mais famosos de Curitiba para quem aprecia o samba.
Com uma decoração que remete ao Rio de Janeiro, o berço do samba no Brasil, O Tal do Quintal atrai mais de 300 pessoas em uma única noite. A escada que leva ao palco do bar é inspirada na famosa Escadaria Selarón, um dos cartões-postais cariocas. No entanto, para a proprietária do estabelecimento, Susana Tanner, o samba de Curitiba não fica atrás do samba carioca em termos de qualidade.
Susana, ex-bancária e apaixonada pelo gênero, deixou sua antiga profissão para se dedicar ao seu sonho de transformar Curitiba na Capital do samba no Sul. Desde 2013, quando inaugurou o espaço, ela tem se empenhado em manter viva essa tradição. O bar, que inicialmente se chamava Quintal da Maria, passou por uma reformulação em 2022 e reabriu com o nome O Tal do Quintal, trazendo uma programação diversificada e acessível a diferentes públicos.
“A gente funciona quatro dias na semana, e cada dia tem um público diferente”, conta Susana. As sextas-feiras são dedicadas ao samba de raiz, com o Samba da Resenha, que atrai um público mais velho e muitos casais. “Tem pessoas que vêm aqui toda semana, algumas até duas vezes na semana”, completa. Já aos sábados, o público é mais jovem, embalado por pagodes e sambas contemporâneos.
Nos domingos, sempre há uma atração diferente, como Janine Matias com o Samba da Negra, o Pagode pro Povo, com quatro bandas tocando sem intervalo, e o Fusoei das Minas, um projeto formado só por mulheres. Já na segunda-feira, a semana se encerra com o Pagode da Ressaca, que também é bastante popular entre o público.
A curadoria dos shows no O Tal do Quintal é feita priorizando artistas que representam a essência do samba e que têm um significado especial para a casa. A seleção dos músicos é baseada não apenas em sua qualidade artística, mas também em suas conexões com a história e a cultura do samba, segundo Susana.
O palco do bar, que homenageia o renomado sambista Moacyr Luz, é um exemplo dessa curadoria cuidadosa. O próprio Moacyr já se apresentou no local três vezes, consolidando sua importância como uma referência para o bar. Além dele, artistas de grande renome como Leci Brandão, Toninho Geraes e Nei Lopes também já marcaram presença no O Tal do Quintal.
O Tal do Quintal também se destaca como um espaço de incentivo para a nova geração, promovendo aulas de pandeiro todas as quartas-feiras, das 19h às 21h, para crianças a partir de 8 anos. As aulas, ministradas pelo músico Macarrão do Pandeiro, têm um custo de R$30,00 ou a doação de 1kg de alimento não perecível. As inscrições podem ser feitas pelo WhatsApp: (41) 98453-6348.

A diversidade de frequentadores de todas as idades reflete a força do samba em Curitiba, que, apesar de ter sido por muito tempo associado ao Rio de Janeiro, está conquistando um espaço sólido e de resistência cultural na capital paranaense. A frase “Curitiba não tem samba” já soa ultrapassada, e lugares como O Tal do Quintal provam que o samba vive, cresce e pulsa no coração da cidade.

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Fonte:Bem Paraná

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