Sem acordo entre as bancadas partidárias, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), retirou da pauta o projeto de lei complementar (PLP) que altera a Lei do Ficha Limpa e, na prática, diminui o período de inelegibilidade para políticos cassados e condenados por crimes comuns.
O pedido partiu do próprio relator, senador Weverton Rocha (PDT-MA), para tentar chegar a um acordo com as bancadas que apresentaram destaques. O principal deles, apresentado pelo PSDB, pedia a votação em separado um trecho que deixa expresso o caráter retroativo da lei.
Em seu parecer, Weverton acatou uma emenda do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP) que retira o trecho que, segundo especialistas, abria brecha para beneficiar Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O texto falava em inelegibilidade de oito anos para condenados por abuso de poder econômico que pudessem resultar na “cassação de registros, de diplomas ou de mandatos” a partir da eleição em que o delito foi cometido. O argumento para beneficiar Bolsonaro era que ele não tinha mandato quando foi condenado.
Com a emenda de Randolfe, o texto passa a prever inelegibilidade de oito anos para a prática de abuso de poder econômico e político de forma geral, retirando a especificação anterior.
O relator considerou a emenda uma alteração redacional e por isso, se aprovado sem novas alterações, o texto seguirá para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Autor da Lei do Ficha limpa, o advogado Márlon Reis foi um dos que alertou para a margem de interpretação do texto que poderia beneficiar Bolsonaro. Apesar da mudança, para ele, o principal problema do texto é o estabelecimento de um teto de 12 anos para a inelegibilidade.
“Essa questão do Bolsonaro é menor. O pior é a limitação do prazo para os condenados por crimes. Uma pessoa condenada por estupro vai estar ainda cumprindo pena e já vai ter recuperado a elegibilidade”, afirmou Reis.
Mesmo com a mudança, o governo liberou a bancada para a votação. Segundo o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a orientação partiu do próprio Lula.
“O presidente foi bem claro: o governo não tem posição e respeita a decisão dos partidos”, afirmou Wagner ao Valor.
Se mantido o trecho que deixa claro que as mudanças têm caráter retroativo e efeito imediato, políticos condenados por fatos anteriores à nova regra serão beneficiados.
O texto prevê que o início do prazo de inelegibilidade, fixada em oito anos, passará a ser contado, a depender do caso, a partir da data de saída do cargo, da decisão que gerar a perda do mandato, da data da eleição na qual ocorreu a prática abusiva, da data da condenação por órgão colegiado ou da data da renúncia ao cargo eletivo.
Segundo Weverton, o projeto busca “evitar disparidade de tratamento em situações assemelhadas”.
Hoje, a regra prevê que o político cassado deve ficar inelegível pelo período restante do mandato que ele não cumprirá e só após essa etapa o período de oito anos passa a contar. Em outros casos, para aqueles que não ocupam um cargo público, o prazo só passa a contar após o trânsito em julgado dos processos, algo que os parlamentares buscam agora impedir.
O projeto é de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (Republicanos-RJ), cassado em 2016 e, pela regra antiga, inelegível até 2026.
Além do ex-presidente da Câmara José Roberto Arruda (PL-DF), ex-governador do Distrito Federal, e Anthony Garotinho (Republicanos-RJ), ex-governador do Rio de Janeiro, também poderiam retornar às urnas nas próximas eleições.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/B/R/Wn4lAxRjqerFLCulLcPg/davi-alcolumbre.jpg)
Fonte: Valor