um papo com Paula Kim sobre a moda nacional » STEAL THE LOOK

Eu costumo dizer que toda conversa com qualquer pessoa é enriquecedora de algum jeito. A gente nunca sabe o que vai aprender depois daquele papo, ou no que a nossa cabeça vai ficar remoendo depois, caso surja uma reflexão mais profunda. Não sei, talvez seja coisa de aquariana que quer mudar o mundo. Enfim, sem me perder nos devaneios: a conversa com Paula Kim, que divide a direção criativa da P. Andrade com o marido, Pedro Andrade, não foi diferente. Aliás, foi muito mais do que eu esperava.

Formada em Moda pela Central Saint Martins, em Londres, Paula percebeu desde a infância que tinha um olhar especial para as artes – algo que sua mãe logo reconheceu e fez questão de incentivar. Esse olhar, que mistura intuição com um senso apurado de estética, é o que agora ganha o mundo.

Pessoa em pé em uma sala, vestindo jaqueta jeans e calças, apoiada em arara de roupas.

Foto: Paula Kim (Reprodução/Divulgação)

O Brasil é tão complexo de explicar para um gringo… Como traduzir isso sem cair no caricato? Nosso ponto de partida foi a tecnologia, a inovação e a conexão com a nossa biodiversidade.

No dia 29 de junho, a P. Andrade faz sua estreia oficial no calendário da Paris Fashion Week masculina. Para a coleção, o olhar de Paula e Pedro se voltou ao Brasil – mas longe dos clichês tropicais. “Queremos mostrar que a beleza do Brasil tá nos detalhes invisíveis”, diz Paula. O ponto de partida foi a tecnologia, a inovação e a conexão com a biodiversidade. Nas passarelas, o resultado se traduz em uma conversa entre ancestralidade e futuro: tecidos tingidos por bactérias, rendas feitas à mão por artesãs do Nordeste e formas que escapam da rigidez clássica da moda masculina.

“Como explicar paras as rendeiras que nossa inspiração era bactéria e fungo? Eu passei as imagens, mas queria que elas traduzissem com a arte delas. O resultado? Uma renda que parece flor, mas na verdade é um micro-crustáceo do mar”, conta. Três palavras guiam a coleção: inovação, sensibilidade e… estranheza. “O início de tudo é micro”, resume ela, reforçando o desejo de trazer textura, leveza e novos códigos de delicadeza para um universo que, na visão dela, é muitas vezes duro, reto e previsível.

Mas, mais do que estética, chegar a Paris também é resultado de um movimento coletivo. “Designer que se ilha, não chega em lugar nenhum”, diz Paula. “Eu vejo muita gente tentando fazer tudo sozinho, mas para estar aqui, a gente precisou de uma rede enorme de pessoas. É estratégia, é troca, é colaboração.”

Duas pessoas de pé em frente a uma janela com persianas, cercadas por objetos decorativos. Pedro e Paula, diretores criativos da P. Andrade.

Foto: Pedro Andrade e Paula Kim (Reprodução/Divulgação)

Antes da P. Andrade, o currículo de Paula já era um mix de experiências que moldaram seu olhar criativo e comercial: de um começo no fast fashion da Zara (“foi meu MBA de negócios”) até um período na Dior, durante o conturbado pós-Galliano. “Foi um parque de diversões criativo. Não tinha diretor fixo, então a gente testava de tudo. E foi ali que eu entendi como funciona uma verdadeira universidade de criação”, relembra. Na Diane von Furstenberg, o mergulho nas estampas só reforçou o que ela já carregava no DNA: um olhar afiado para a construção de identidade visual.

Ao lado de Pedro, que além de parceiro de vida também é seu braço direito na direção criativa (e, muitas vezes, o próprio modelo de prova da marca), Paula construiu um processo de criação que mistura intuição, técnica e, claro, algumas boas faíscas criativas. “A gente discute, briga, testa, volta atrás… mas é sempre porque a gente ama o que faz. Nosso trabalho é uma extensão da nossa vida”, conta ela.

Sustentabilidade é anos 2000. Agora o nome é regeneração. Regenerar o seu negócio, a sua moda e a sua visão.”

E se o design é potente, o discurso também não fica para trás. Sustentabilidade na P. Andrade vai muito além de tecido ou de uma etiqueta verde. “Eu gosto de falar que sustentabilidade é anos 2000. Agora, a gente precisa falar de regeneração”, explica. Na prática, isso significa desde parcerias com comunidades de artesãos até experimentações com tingimentos feitos a partir de bactérias – tudo dentro de uma lógica que Paula resume como os “quatro P’s” da marca: People (Pessoas), Planet (Planeta), Profit (Lucro) e Purpose (Propósito). “Não adianta romantizar: a indústria precisa de lucro para sustentar a cadeia e gerar impacto positivo. Sustentabilidade é sobre isso também”, reforça.

Com o desfile se aproximando, o sentimento é de missão compartilhada. Mais do que apresentar uma coleção, a P. Andrade carrega o desejo de abrir caminho para outros designers brasileiros. “A gente tá fisicamente longe, né? Mas estar aqui em Paris é mostrar que dá. Que a nossa moda tem voz, tem potência, tem narrativa. E que pode – e deve – estar nesses espaços.”

E tem uma coisa que eu sempre repito: ego não leva ninguém a lugar nenhum”, diz Paula. “É claro que ter ego é saudável, mas quando ele passa da medida, vira um muro. A gente só chegou até aqui porque entendeu que moda se faz em rede. É sobre ouvir, trocar, pedir ajuda e também abrir portas para os outros. Não quero ser a única brasileira aqui. Quero ecoar a voz desses designers.”

Pessoa em pé em cima de uma superfície elevada, vestindo jeans largos e camiseta branca em um ambiente de trabalho.

Foto: Paula Kim (Reprodução/Divulgação)

E mais: Paula também faz questão de marcar a importância de ser uma mulher criando moda masculina, num line-up historicamente dominado por homens. “Sou a primeira mulher designer brasileira a desfilar uma coleção masculina no calendário oficial de Paris. Isso é muito pessoal para mim. Eu sou filha de imigrantes. Primeira geração coreana no Brasil.”

No dia 29, a P. Andrade entra na passarela. Mas, de certa forma, o desfile já começou faz tempo.

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Fonte: Steal the Look

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